setembro 24, 2005

"Ananás com Vinagre: Férias de Verão III"

" Trinidad, Cienfuegos e Varadero"
Despedi-me de Havana com um belo espectáculo de Cabaret no Parisien, dentro do Hotel Nacional, o grande ícon de Cuba, onde, muitas celebridades e personalidades do inédito mundo da política, estiveram alojadas e bem estabelecidas. Lá estavam as meninas a apanhar gambuzinos, à uma e meia da manhã, de perna bem aberta para o caruncho arejar. Mesmo em frente do Hotel Tryp Habana Libre, onde eu estava alojada, ansiosa pela caminha King Size e mais meia dúzia de cenas de algum filme dobrado. Por acaso, calhou-me o "Homem em Fúria", uma interessante versão da América Latina, em que Denzel Washington falava com um charme digno de um filme erótico. "Oh sí..".
Saímos de Havana com atraso e com um grupo de gente, desde espanhóis a paraguenses, em direcção à zona ocidental de Cuba. Falei com uns jovens espanhóis, todos irmãos e lá fomos nós, no nosso autocarro, ver crocodilos, paisagens verdíssimas, com rasgos de chuva e um calor húmido que aquecia qualquer constrangimento que fosse do nosso consentimento. Que expressão mais estranha..
Recordo-me de tocar num pequeno crocodilo no viveiro - atado na boquinha, devidamente, claro -, de ver uns mosntros ao pé do lago, que cheiravam muito mal e tinham um péssimo aspecto. E, o mais giro, é que no restaurante, ao almoço, comi carne de crocodilo e soube-me tão bem. Mas, não abusem, não repeti a proeza. Apesar da carne saber a vitela, é sempre de se ficar um pouco enjoado quando se vê aqueles aligators todos porcos, sujos e badalhocos, a comer um peixe que já parecia da pré-história, com um cheirinho nauseabundo. O fascínio da vida animal selvagem é assim.
Andamos num barco, chamado Guamá, para chegar a um Lago enrorme, chamado Lago do Tesouro, onde visitámos um velho sítio, onde as tribos mais antigas da ilha viviam. (Que seca este post, parece os diários: "levantei-me, fiz xixi, cocei a micose.."..ups..censuraaa!!) O que convem dizer é que foi neste dia que o meu comportamento mudou, os meus ditos constrangimentos pessoais, ligados aos meus assuntos pessoais - e mais não digo, essas coisas não se dizem a qualquer pessoa, embora já saibam demasiado - (hum, esta música dos Chemical Brothers, a "Galvanize", é um espectáculo..) esvoaçaram e de repente, comecei a ver as coisas de um ponto de vista completamente diferente. Pois é. Porquê? Não digo. Não mandam em mim, o ar é de todos!! Ahah..
Trinidad. Hotel Brisas del Mar, de 4 estrelícias e com uma pulseirinha bermelhita, em que, supostamente, tava tudo incluído. Tinhamos mesmo o Mar das Caraíbas por detrás do Hotel, já que estavámos mesmo no Sul de Cuba. Que pena, não é? Que chatice.. Lá teria eu de dar um mergulho naquelas águas escaldantes das Caraíbas.. Ui..Era escaldante era, era tão quente, que dava uma pena estar ali de bikini vestido. Ah e sozinha. Se a praia tivesse menos gente lá de dia, com menos cubanas a pedirem fatos de banho, sabões, roupa e shampoos, talvez o cenário fosse um pouco mais romântico. Ah claro, também se não existissem aqueles cubanos de muitos pêlos no peito, muito escuros e de óculos de sol à camionista a oferecerem a sua casa para um jantar de marisco, por 10 pesos. Eu disse oferecer? Qual quê. A frase "Não há almoços grátis", nunca se aplicou tão bem a um sítio, como a Cuba. Economistas do mundo, sugiro, urgentemente, que vão a Cuba para entenderem o chupismo turístico que se passa lá. Até uma garrafa de água vazia me pediram. Vejam só a necessidade daquela gente. E, quando lhe demos a garrafa, parecia que tinham ganho a lotaria. Eheh..Há pessoas neste Portugal que não têm noção da miséria que se passa noutros países e, digo-vos abertamente, é uma pena. Pessoas que nem sabão têm para se lavar e nem podem comer marisco porque o Fidel não deixa. "Solamente para turistas". Mas, a cada dia que passava, admirava mais aquele povo que nutria, verdadeiramente, um carinho e uma admiração especiais pelo seu líder. Não é como aqui em Portugal, que ninguém gosta de nada, não há convicções, nem confiança, nem idealismo. Só desilusão, mas também ninguém apresenta alternativas, já que só sabem é criticar. Lá, são seguidores de alma e corpo. O que, por um lado, é muito louvável, sem dúvida. Mas...tudo isto por causa do hotel. Fomos jantar e vocês nem vão acreditar. Pedi uma simples garrafa de água à senhora do buffet e não é que ela me foi dar um copo de água, com gelo?!?! Ai, o meu progenitor, passou-se e ela respondeu: "No tenemos água aqui..No hay..". Ahaha..É para rir..Uma pulseira com tudo incluído e o bem natural básico, e essencial, não há. Se quero água, tenho de beber da torneira. Bem, lá tivemos de ir comprar água..Vejam só se isto não é o cúmulo do exagero? Aldrabões...Ai ai...O hotel era jeitoso. Tinha karaoke, uma sala de jogos (como tudo, desde Trivial, passando pelo ping pong e chegando ao Uno), um palco, piscina..bla bla..e era um hotel com muitas casinhas na rua, com os quartos. Era um espaço agradável e bem tratado, com balouços e relva. Gostei muito do sítio, mas aquela cena da água é mesmo para esquecer.
Trinidad é pobre. Casas, amontoadas, de várias cores, em cima de terra batida. O centro já tem alcatrão, mas as pessoas pediam-nos tudo e dava-me uma certa pena, não ter nada para lhes oferecer. Da próxima vez que for a Cuba, levo comigo aqueles bugigangas que não uso, nem ligo. Ao menos, que as pessoas que precisam, que façam proveito. Museu Romântico. Mulheres a venderem colares feitos de sementes a poucos pesos. Rendas à venda na rua, anéis, pulseiras e pretas cubanas em madeira. Perdemo-nos. Aliás, a guia perdeu-nos. Inacreditável, não é? Os 6 portugueses viram-se no meio da cidade, sem virem o resto do grupo. Só avistámos um casal da Argentina (acho eu) e ninguém sabia o que fazer. Ficámos ali uma hora a vaguear. Fomos à agência Cubatur, que contactou a guia e, lá depois, o choffer nos foi buscar. Eheh..ai os portugueses..O almoço foi frango, para variar, com gelado na sobremesa, para variar. Ah e bebi coca cola. Como a bebida era à escolha, já agora também não variava..Tudo em sintonia. Fui à praia com meus recém amigos espanhóis. Ui a água era mesmo quente. Nunca tomei banho em água tão quente, garanto-vos. Era como tomar banho de água quente em casa, só que ali tínhamos mar que nunca mais acabava. Não era transparente, mas era melhorzita que as praias da linha. Tinha muitos cubanos, muitos negócios ali, muitas jovens platinadas a querer seduzir os turistas. Mas isso é a tal promiscuidade fascinante de Cuba, sem a qual tudo o resto pareceria uma mera instância turística. Cultura, meus caros. É ela que define as pessoas.
A noite foi pouco dinâmica, apenas reforçou os laços afectivos com algumas pessoas do grupo e no dia seguinte, partimos. Passámos por Cienfuegos, (Che, tus ideas perduran!) conversei o tempo todo com o A. e moquei com os filmes dobrados. Era uma viagem de três horas e meia até Varadero, - ah, finalmente - o chamado paraíso turístico de Cuba. Com muita chuva pelo caminho, pessoas à berma da auto pista, esperando transporte. Muitos cartazes políticos, muitos espaços verdes, muita pobreza. Aquela típica de Cuba que permite que o seu charme se sobreponha a muitos dos países civilizados que já conheço. Eu e o A. já falavámos de tudo e íamos para o mesmo Hotel em Varadero, logo, parceria para a praia, as noitadas e as bebidas não me ia faltar.
Varadero. Casas. Hotéis. Não vi a praia. Por isso, só quando cheguei ao quarto e deixei lá as minhas coisas é que pude espreitar aquela maravilha, que se situava nas traseiras do Hotel. E que maravilha. O sol já se estava a pôr e aproveitei para escrever o meu nome na areia, correr um pouco para sentir aquela areia fina e macia, molhar os pés na água tépida e cristalina. Ai que bom. Uma onda de nostalgia invade-me neste momento, neste preciso momento em que relembro esse dia. Lembro-me que o céu estava alaranjado, com algumas nuvens, tão bem desenhadas, que formavam coisas. Já não sei o quê ao certo. Talvez animais, talvez grãos grandes de arroz e faziam-nos entrar num mundo de imaginação sem fim. A praia era acolhedora, não muito grande, com chapéus de palha. Palmeiras e muita vegetação na parte traseira da praia, decorava a praia com vida e frescura. Cadeiras e espreguiçadeiras brancas de plástico, lá estavam abandonadas, agora que a maior parte dos turistas deveriam estar a preparar-se para jantar. Não era uma praia. É totalmente proibido em Cuba - o que acho muito bem, diga-se de passagem. As praias são espaços de todos para todos, ao contrário do que aconteceu no regime de Baptista, nos anos 50, em que os americanos que viviam no zona nobre de La Habana, Miramar, tinham uma praiazinha privada e só a elita lá podia entrar. Com a revolução tudo mudou e tudo é dos cubanos. A igualdade e liberdade de direitos move-me, sempre moveu e, quando cheguei a Cuba senti, mais do que nunca, esses valores presentes.
Nos dias seguintes, andava por ali. A desfrutar das maravilhas da praia, com uma água azul turquesa, onde os peixinhos andavam à volta dos nossos peixes, mordendo-nos até, como se dessem beixinhos. Lá ia bebendo uns "Mojitos", umas "Cubas Libres", indo depois andar de kayake e banana com o A. Sol, água, muita comida, bebida. À noite, ver o espectáculo no mini teatro, ia à discoteca dar uma espreitadela, passear pela piscina ou na praia. Um conselho: levem repelente. E não falo de repelente normal, mas de repelente específico para exóticos. Fui passear 5 minutos à praia e no dia a seguir, tinha picadelas nos braços, nos pés e em todo o lado que tivesse estado destapado na noite anterior (o que até era bastanteee, dado o calor que lá está sempre..). Parecia que estava com varicela, com borbulhas vernelhas em todo o lado. Pus repelente mas não deu nada. Mais valia ter ficado quieta.
"Hotel Sol Palmeras, all inclusive." Este era o slogan dos espertalhaços e por acaso até era verdade, eles tinham muitas actividades. Desde aulas de ginástica, stretching na praia, tai chi, quizes, volleyball, tiro ao alvo..a malha..Ya, isso. Mas, mesmo assim, não dispensei aquela praia nunca, indo só uma vez à piscina com o A. Muitos sumos de Piña e coca cola.
Apesar de já termos visto algumas coisas de Havana, tirámos um dia para lá ir e fomos ver o Museu da Revolução. Eheh...interessante, mas muito mal feito. Enfim, estávamos em Cuba, não estava à espera de muito. Ficámos lá três horas. Tem tanta informação, tantas letras em miniaturas, sem uma ordem de consulta explícita, que passado algum tempo qualquer pessoa minimamente viva, boceja e anseia por uma cama bem fofinha. No meu caso, era a praia. Já estava bronzeada. Foi um dia cheio de emoções, confesso. Até se perdeu um cartão de multibanco.
Adeus Varadero, adeus Cuba. Já me sentia sozinha desde que o A. tinha partido, nunca iria esquecer a presença dele e tudo o que representou para mim naquelas férias. É aquele toque especial. Fiz as malas com tristeza, tomei banho pela última vez na praia. Disse adeus aos lagartos, - quer dizer, interiormente bolas, não falo com os lagartos, ainda não atingi esse grau de insanidade - olhei com ternura para a sala de refeições e para as toalhas de padrão frutoso. Arranjei-me, almocei e esperei. Estava chateada, muito triste e aborrecida. Tinha bebido Cuba durante duas semanas e lembrei-me dos camaleões, que mudavam de côr cada vez que mudavam de sítio, camuflando-se. Era uma máscara, um disfarce para os predadores. Todos nós temos os nossos disfarces, é inevitável. Mas cada vez que usamos uma máscara diferente, e depois a deixamos, parte de nós muda e não é possível voltarmos a ser o que éramos antes de usar essa mesma máscara. É mais fácil ficar com essa máscara, do que a tirar para voltar a pôr outra. Ou tirar, para pôr uma velha que já conhecemos e que temos de usar na rotina do dia-a-dia. Tirar algo que nos eleva, para colocar algo que nos faz sentir ao nível mais básico desta curta vida. Foi o que senti. Os problemas tinham ficado em casa e quando lá chegasse, eles voltariam. A angústia que tinha sentido na véspera da minha partido para aquela terra fenomenal, já se tinha dissipado à muito tempo. E, nesse preciso momento em que reflectia, entendi que era demasiado anti-rotina, anti-estabilidade, anti-monotonia, para viver no mesmo sítio para sempre. Viajar rejuvenesce-me, dá-me outras possibilidades de explorar, de fazer coisas irrepetíveis e únicas. É isso que faz viver, não é? O insólito, o não natural, o não visto. O não ser na concepção que conhecemos. Toda a gente tem problemas. Verdade. Mas nem toda a gente, arranja as melhores soluções para esses problemas. O mundo é tão grande, há tanta gente com problemas tão maiores e mais graves, tanta beleza para desbravar. Eu sou apenas mais um grãozinho de areia, deste vasto planeta. Ou seja, sou insignificante. Toda a significância que me posso atribuir, advem do meu estado de espírito e do meu ego. Afinal de contas, eu vivo comigo todos os dias, sou a protagonista do meu filme. Filme que eu crio todos os dias e mudo apenas o que me apetecer.

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