maio 20, 2012

Colisão frontal, eucaliptos e a dor da independência

Tinha 28 anos quando a minha vida mudou. Quando finalmente mudou. E num desses dias, descarreguei finalmente o peso - aquele que havia carregado, interminavelmente, como se fizesse parte do meu corpo desde sempre e do qual me sabia livrar. Sacudia, agitava, abanava, mas mesmo que, por segundos, ele voasse para outra dimensão, não tardava em regressar a cada átomo meu, como se fosse um amante-cola, sedento de toque e de chuvinha de amor.

Não chovia naquele dia, não. Mas uma tempestade obscura reinava dentro de mim, como se tudo perto de mim colapsasse e ruísse, sem piedade. Nada parecia fluir bem, fosse onde fosse e as tensões constantes em casa faziam com que tivesse o condão de irradiar energia negativa para qualquer objeto que estivesse na minha direção. Foi o que aconteceu naquele dia. Desabafei. E conheci o M.

Os eucaliptos rodeavam o caminho da auto-estrada em direção ao mar. A minha cabeça não paráva, corroía-se de pensamentos que, à força, eu temtava organizar. Tudo isto enquanto me mantinha focada no longa reta de alcatrão diante de mim. Pára, arranca, pára, arranca. Olhar para a esquerda durante meio segundo, voltar em diante...uma mota em cima do meu capot. AI! Trava! PUM!

Um solavanco percorreu todo o meu corpo que, sacudido, num ápice, assemelhou-se a um boneco, inanimado e ausente daquela realidade onde prosperavam carros e sinais de fumo. Sinais de vida, portanto. Vi que a mota parecia estar inteira. O mesmo não se podia dizer de mim, que rebentei no instante em que percebi que os danos poderiam ser irreversíveis. E foi aí que o inesperado aconteceu.

"Está bem? Sente-se bem?". Eu não respondia, escondida pela minha vergonha e pelo meu embaraço que me engoliram a língua. Esperava agressividade, cobrança, revolta, mas em vez disso recebi generosidade, compaixão e preocupação. As lágrimas apoderaram-se de mim, mas eu vi-o. Vi um enorme coração refletido nos olhos castanhos, grandes e redondos, que irradiavam força e personalidade. "Não, não estou bem...". "Mantenha-se calma, por favor. Onde tem o seu triângulo? Acalme-se, eu trato de tudo". Disse-lhe onde, mas quis ajudar, ainda que estivesse parada no meio da A5, na faixa do meio, com carros a passar por tudo o que era sítio. Sem pensar, abri a porta e fui ter com a "vítima". Ainda que por pouco tempo, é certo. "Sem colete aqui fora?! Já para dentro." Estava a ser protegida por quem tinha levado uma valente cacetada. Bem, até faz sentido. Não fosse eu, naquele momento, magoar-me.

Uma hora depois.

O radiador estava morto. O carro andava em modo de tartaruga. Eu já não tinha as cataratas do Niagara a brotar-me dos olhos, ainda que soubesse que tinha pedido aquela situação. Estava mais calma, mas, o mais estranho era que era o outro lado que permanecia calmo. E chegados à bomba de gasolina para tratar das burocracias legais da coisa, finalmente consegui ter outra perspetiva do M. "Olha, estou atrasado, uma colega tua hoje quis conhecer-me, o que se fazer?". Sorri, finalmente.