setembro 30, 2014

Desesperadamente Procurando Nova Iorque (III)

Filadélfia é o caos. Quer dizer, o aeroporto. Com dificuldades em entrar na rede norte-americana de telecomunicações, estava ansiosa para comunicar com as pessoas que pensavam em mim, lá em casa. Um mar de gente dirigia-se à Alfândega, composto por misturas vindas de várias origens, de várias direções e de múltiplos aviões, à espera de aprovação para entrar em terras do tio Sam. Olhei em redor e apressei o passo.

Avistei, ao longo de metros e metros acelerados, dezenas de Queen Latifah em versão low budget, com argolas a imitar os poleiros dos papagaios mais destrambelhados e unhas de gel com desenhos de mapas. "Já me tinha esquecido do fervor afro-americano", pensei, com uma imagem do passado a bater-me, com minúcia, no lóbulo frontal. Para reforçar a eficácia da sinalética, as funcionárias estacionavam e nem a reboque arredavam pé dos centímetros laterais dos indicações. Eram maioritariamente negras e anafadas. E com uma voz potente. "You have to go this way, come on', move it!", atiravam a dezenas de cabeças, quais pontas de alfinetes, à espera da sorte grande. A saída.

Largos e eternos corredores, preconizados por abstratas alcatifas heterogéneas, numa mescla de linhas, traços e variações cromáticas, prometiam ser uma ilusão. A experiência de um, desembocava na sensação de percorrer o outro. Da primeira vez que visitei os Estados Unidos, em 2011, a energia era a mesma. Elétrica, frenética e até de alguma inflexibilidade para quem tinha acabado de aterrar. Literalmente. Desta vez, como estava sozinha, conseguia perceber certos pormenores com mais precisão.

"Nova Iorque, Nova Iorque. Para onde?", pensava à medida que fazia um esforço para não perder nada pelo caminho. Espera: casaco, mochila pequena eastpak - com cartões, passaporte, guias e bolachas XPTO -, saco da máquina fotográfica à tiracolo, o cachecol aninhado no pescoço torcido e a boina a acusar o adormecimento no chão salpicado de meias pegadas. Cada vez que focava o olhar num ponto diferente, sentia que algo deslizava do meu corpo, podendo permanecer abandonado naquela terra de ninguém. Entre uma cidade que nunca visitaria e o alvo do meu desejo de viajante, era uma espécie de limbo geográfico, do qual apenas queria escapar.

E depois de apanhar um elevador e travar uma conversa, mais gestual do que linguística, com duas portuguesas, lá encontrei. "Customs". A placa do derradeiro beco com saída, na direção da entrada. O exame final antes da licenciatura, a inversão de sentido no exame de condução, a última fase de recrutamento com entrada para a multinacional da moda. Ou como todos os geeks diriam, a última aventura, entre fogo, montanhas e gigantes, antes de conseguir destruir o anel do poder em Mordor.