março 30, 2006

"Inspirar, expirar..Inspirar, expirar.."

Greetings.
Hoje não me apetece mesmo escrever. Tenho a cabeça com muitas ideias, mas não me apetece expressar seja o que fôr, ou estar à frente do PC. Além do mais, morro de fome porque passei mais de uma hora no ginásio a malhar de tal forma, que quando cheguei ao WC e me vi ao espelho ia fugindo. Parecia a Rainha das Tomates no país da Tomatalândia. Bonito.
Posto isto e muitas outras coisas que agora, certamente e obviamente, não vou referir, deixo-vos a continuação do meu diário no Egipto. Caso tenham já lido o que publiquei e isso vos interesse...claro. Carolos e beliscões com carinho. L.


Dia 3 19/07/2004 Segunda-Feira

Esna – Edfú – Kom Ombo - Assuão

Estaria uma sombria noite, onde passadas as estreitas comportas da cidade de Esna, se caminhava por entre as misteriosas e desconhecidas águas do Nilo. Navegava-se há horas, numa velocidade incerta, em direcção à cidade de Edfú, depositório do Templo de Hórus, antigo monumento greco-romano dedicado ao belo e sagaz deus falcão, Hórus, filho de Isís, deusa da Magia e Osíris, deus dos Mortos.
O “Beau Rivage” perfurava essas águas, gentilmente, num compasso lento e constante, adequado ao sono profundo que residia no interior de cada cabine, em cada estreito e alcatifado corredor.
211. Silêncio. Silencio. Silêncio...O despertador, com a sua melodia “cartoónica”, iniciava a missão diária. Semi adormecida, e com visão desfocada, consegui parar o telemóvel na sua irritante melodia. Aliás, não escolhi aquela música estridente e barulhenta, na função de desempenhar o meu despertar, por acaso. Como se diz, não há coincidências. 6:45. Tinha dormido cerca de 5 horas e meia. Nada mau. O pequeno almoço seria às sete para podermos explorar Edfú às oito. Mais uns minutos...pode ser?..Deixei-me ficar na ronha confortável e “sabe a pouco” da camita uns 10 minutos, mas depois disso senti a obrigação psicológica e física de me pirar dali. Bolas, estava no Egipto, no meio do Nilo e ia ficar com uma crise de birra, por causa do sono? La, la, la.
Levantei-me e, activa, fazia o circuito quarto/casa-de-banho, casa-de-banho/quarto, variadas vezes. Desliguei o carregador da bateria da máquina fotográfica, que, após ter permanecido ligado à corrente eléctrica durante uns pares de horas, já tinha a luzinha de sinalização do aparelho um quanto tanto..”anormal”. Piscava incessantemente e irregularmente. “Upsssss..muitas horas..”.Abri a malinha de rodinhas, com a roupa amontoada, e saquei uma túnica azul, comprida e bordada. Vesti-a, em conjunto com a minha fabulosa saia de algodão branca, do dia anterior e, posto isto, alterei o esquema espacial para o binómio “desarrumação/arrumação” (costumo dizer que sou arrumada, de uma forma desarrumada), em vista de poder abandonar o meu pequeno refúgio em tranquilidade. “Não me esqueci de nada, pois não?” Peguei nas minhas malas, companheiras de viagem, pronta para iniciar outro dia no paraíso..detive-me. Fui até à janela, à margem direita da cabine e da minha nova cama. Estávamos parados. O rio permanecia calmo, como sempre, havendo, unicamente, pequenas ondulações provocadas pelo barco. O belo céu que pressagiava o nascer de outro dia produzido pela Deusa Mut, criadora do dia e noite, no Antigo Egipto, encontrava-se limpo, sem nenhuma réstia de nuvens, numa intemporalidade lindíssima. Sorri, observei atentamente e pela última vez, aquela fusão inequívoca entre água, ar e terra, fechei as cortinas e prossegui, num andar ritmado e acelerado, o meu caminho árduo e complicado até ao “Buffet”.
Após ter entregue a chave do 211 na recepção, fui tomar o meu desejado pequeno-almoço, indo cumprimentando os outros companheiros de aventura, pelo caminho. “Sim, desta vez dormi.” Ia conversando com várias pessoas sobre o meu ninho de sono. Estava satisfeita. Era a primeira da minha mesa a chegar ao local. Era habitual. O simpático empregado, careca, de bigode e com um francês perfeito, deitou água quente na minha chávena para fazer um belo chá, não sei de quê. Debati-me com ele, comicamente, por causa de uma garrafa de água. Ele, no seu francês e eu..no meu português, inglês, francês, espanhol. Portinglefranespanholarabês. Queria uma garrafa de água para levar para a visita. Não tinha água. Precisava de água. Parece simples..mas não foi. “Water”. “De l’eau..”. Gestos., a minha última salvação. Parecia um espectáculo de mímica na Feira da Ladra. Notava alguns olhares, mas continuava a tentar fazer passar a mensagem ao receptor. Esbracejava tentando transmitir a ideia de calor, passava as mãos na testa, cansada. Com a mão direita, pegava numa garrafa invisível e levava-a à boca, bebendo o seu conteúdo. “Ah!”, exclamou o empregado. Eu, sorri. Bip Bip. Mensagem Enviada.
Continuei a minha refeição, deliciada no chá com leite, saboreando a manteiga de pacote no pãozinho. Surge o “Monsieur” com algo na mão..uma espécie de tigela, daquelas com que damos leite aos gatos. Olhei e ri-me. O delicado árabe tinha-me traxido leite. Pelo menos, era um líquido branco e parecia-me ser leite frio. Voltei ao desespero mímico e tentei representar uma garrafa de água. “A bottle de l’eau..petit.”
Repeti, numa tentativa forçada. “Preciso de levar para o passeio.” Ria-me, sorria, já tinha desistido de falar naquela imensidão de línguas. Voltei, a seguir, a fazer o esforço gestual. “Monsieur” acenou que sim e foi-se embora. Certamente, voltaria com alguma coisa. Só não sabia se iria correpsonder às minhas expectativas.
Ei-lo de volta. Desta vez, com um copo de sumo de laranja, daqueles instantâneos.
Percebi que havia grandes problemas de comunicação, entre mim e “Monsieur”. Desisti. “Água, uma garrafa de água.” Ele sorri. “Ahhh..”. Finalmente. “Vive mais, comunica mais.”, já dizia o anúncio da Vodafone.
Cómico. Disse “Água” e fez-se luz no intelecto do gentil empregado-Tanta língua para nada. Continuámos a tentar dialogar, num estilo mais aprofundado, com o que a nossa vivência nos deu como seres sociáveis e comunicantes, mas a minha guia, Ana, a salvadora dos portugueses, apareceu e, uma vez mais, “salvou-me a vida”. Infelizmente, ali só vendiam garrafas de um litro e meio, algo que não me interessava, por dois motivos: 1º, a garrafa era pesada e eu já carregava coisas suficientes; 2º, estaria calor a mais para beber, apenas, meio litro de água fresco. “Obrigada, Ana.”
Daí a instantes, encontrava-me acompanhada, pois os meus companheiros de mesa surgiram. O senhor do Porto fez-me companhia até as raparigas da Invicta aparecerem, numa azáfama, quinze minutos antes da hora de partida anunciada.
Lá fomos nós.
Saímos do “Beau Rivage”, passando pelo porteiro que nos dava um cartãozinho, imprescendível para, no regressar, podermos ingressar no barco, com normalidade. Como o barco não estava junto à doca, mas sim acostado, lateralmente, a um outro mini paquete, tivemos de atravessar umas quantas salas de entradas, com diferentes recepções e côres que variavam, desde o cinzento ao azul, caracterizadas por um perfume activo e chão lavado para, por fim, aceder ao exterior.
O grupo da Ana juntou-se. 4 pessoas iriam numa charrette, esse transporte, símbolo romântico Queiroziano, do belo “fru-fru” do século XIX que, puxado por um cavalo, proporcionaria uma viagem muito nostálgica e interessante. Era mais que uma viagem. Era um outro tipo de viagem. Viagem no tempo e espaço.
Eu e as raparigas do Porto embarcámos na charrette nº 223. Teríamos de fixar este código, pois após a visita ao Templo e a visita ao mercado, regressaríamos com o mesmo condutor, na mesma charrette. A sensação de entusiasmo, perante tal possibilidade de viagem, que nunca tinha experienciado antes, era imensa e no arranque de tal mini aventura, o trepidar constante por cima da terra batida e o balançar semi deitado em cada curva, fazía-nos apreciar, de uma forma muito divertida e espirituosa, aquela viagem. Com dois lugares de um lado e outro, a charrette era preta, decorada com certos adereços fúteis como berloques coloridos e fotografias estranhas, mais parecidas com recortes de revistas lá do sítio, sendo-nos possível observar uma jovem que segura o seu bébé. Interrogo-me. “De onde, diabo, é que isto apareceu?” De costas, apreciava a paisagem pobre. Casas inacabadas mas habitadas, com roupa estendida no parapeito da janela. Uma loja da famosa cadeia “bata”, fechada. Tudo, o que se apresentava diante dos nossos olhos, estava envolto numa poeira imensa, tudo rodeado de crianças imundas e sujas, pedindo esmola.
Passando umas curvas e umas intersecções, chegámos, em segurança, ao Templo de Edfú, monumento erguido por greco-romanos com o intuito de honrar o deus Hórus, que se apresenta sob a forma de um falcão.
Consegui a minha água, com a garrafa de água “Baraka”, a marca mais conhecida por estas bandas, lembrando-me o “Luso”, com o seu logotipo por todo o lado.
Durante uma hora e meia, percorremos o vasto espaço daquele templo, entramos em câmaras interiores, santuários, sempre rodeados pelas altas e imponentes colunas de outrora, chocando com um número infindável de turistas de muitas nacionalidades, causando um “tráfego” naqueles corredores , diminutas mas regulares paragens nas explicações da nossa Ana.
O ar quente, mas seco, de cada divisão daquela velha casa sagrada fazia aumentar os níveis de suor e sede em cada um de nós. Tento coordenar a minha parte física com a minha parte psicológica, no esforço de conseguir assimilar a beleza do sítio, a par com o “pára-arranque” típico da visita, a tirada de fotografias e a explicação “portugalonhesa” da guia egípcia. Relevos, inscrições hieroglíficas, a história de ira de Hórus para com o tio Seth pela morte de Osíris, teletransportam a “família da Ana” que, após uns flashes pedidos e uns golinhos de água seguidos, aterram no mercado local.
Situado na rua principal que leva à entrada do Templo, o mercado de Edfú estende-se por uns 30, 40 metros, erguido sobre o caminho desértico e empoeirado, onde o som de rodas de charrette se funde com o apelo constante dos comerciantes, tentando fazer brilhar os olhos dos turistas, perante a panóplia de relíquias árabes, lenços brilhantes envoltos nas suas moedas douradas e lantejolas, estátuas, folhas de papiro, turbantes e túnicas.
“Madame! Anglais? Français? Italiana? Spañola? Portuguesa? Ah! Figooooo!” Perante os olhares dos vendedores que disputam um par de euros para sobreviver, deparei-me com esta evidência que o futebol português não era desconhecido. Figo, Cristiano Ronaldo, Rui Costa, Nuno Gomes, Deco..Cada um, ao saber que eu vinha de Portugal, enunciava logo metade da selecção nacional de futebol. Interessante. Irónico. Pessoas sobre o calor abrasador dos 40 graus, descalças, sujas, pobres, com o constante da sobrevivência incerta, sorriem abertamente e conhecem as tácticas da futebolística portuguesa. Mas era esse o negócio delas: cativar para sobreviver.
11:00. Foram-nos dados cerca de vinte minutos para explorarmos a arte de regatear. Depois disso, seguiríamos para o barco, à procura de matar a fome e o cansaço.
Olhei em redor e o cenário, diferente e pobre, apimentou-me o espírito, despontou em mim a sensação do novo e selvagem, cioso de ser descoberto e explorado. Como um novo desafio, observei as bancas. Vislumbrei os inúmeros lenços, decorados com moedinhas douradas: um conjunto forma um traje de dança do ventre. “Vou comprar um”, pensei. E comprei. Ao mínimo olhar preso num dos artigos de um comerciante, todo o processo natural se desencadeia: todos os esquemas valem para chamar a atenção do possível comprador.
Ao longo de 15 minutos iniciei a minha experiência na arte de regatear, conseguindo levar 4 lenços por pouco mais de 5 euros (50 libras egípcias), sendo preciso muitas doses de paciência, de aventura e um pouco de risco. Sempre sob a mira dos vendedores, fui vestida com o fato que iria comprar, sempre com o olho nas minhas malinhas, não querendo correr riscos nas terras do Nilo. O principal vendedor, sempre atento, pediu-me, após concluída a transacção, o meu relógio da Swatch que tanto gosto, de visor azul, com uma joaninha e um trevo nos ponteiros. “Regalo, Madame...”. Ri-me. A gentileza dos egípcios com as mulheres (e com as suas carteiras também) fez-me rir. Olhei para o relógio e constatei que já tinham passado dois minutos da hora prevista, já passava das 11:20.
Com a minha nova aquisição num saco de plástico preto, fino e transparente, soltei-me num passo apressado até perto da zona das charrettes, num local indefinido, amontoado de côres, de um cheiro a terra seca e quente, onde dezenas de transportes se enfileiravam, esperando que mais uma moeda vá ao seu encontro.
Resvalei, entendi que nenhuma das minhas companheiras de charrette ali estava, ficando na dúvida. O que teria acontecido? Os meus olhos alcançaram Ana e a sua bandeirinha laranja que, num momento fugaz e de tilintar de movimentos, se apressou para encontrar alguém que faltava numa charrette qualquer. “E eu Ana?”
Esperei. Duas ou três pessoas do meu grupo passavam, esperavam encontrar um rumo, uma linha que as pudesse devolver à sua bela charrette, um sinónimo de segurança e almoço garantido. Virei-me em todas as direcções, perscrutei as nuvens de pó castanha que se punham diante dos meus olhos, com o passar rasgado e sonoro de rodas gigantes, sempre num esforço inquieto de ter uma referência, fugindo de ser atropelada e invadida por vendedores infantis que, com pulseiras de escaravelhos, tentavam ganhar uma bela moeda de um euro. Mas o facto de me encontrar ali, sozinha e perdida, num pequeno mercado de rua de uma terra do Médio Egipto, fez com que sentisse algum desespero. Em breve, desdobraria todos os movimentos possíveis para me pirar dali para fora, deixando de ser perseguida por crianças, vendedores, egípcios envoltos numa cínica simpatia em troca de um euro, todos decorados nas suas exóticas e encardidas túnicas. De óculos escuros, lenço na cabeça para afastar o queimar de um abrasador sol, cedi aos apelos de um jovem egípcio, muito moreno e de fraca dentição, deixando-me guiar por ele, na possibilidade de me guiar à charrette número 223. Frenética, segui-o. Andámos uns metros por essa rua, consumida pela confusão e caos, desviando-me das gigantescas sacudidelas de charrettes, esperando alcançar uma imagem ou som familiares.
Nada disso aconteceu. Esperei pelo rapaz numa esquina, onde todas as carroças se amontoavam, mudas e tímidas, a um canto do sensasorial mundo islâmico, aguardando um sinal, uma confirmação da descoberta da minha volta para o “Beau Rivage”. “Madame, Madame, un euro!” As crianças, com os seus belos olhos, grandes e meigos, me cercavam numa dádiva de elogios e meiguice, levando-me a sentir tão próxima da sua realidade e ao mesmo tempo, tão incapaz de os ajudar. Um misto de comoção, impotência, solidão, afecto e revolta me entrou no espírito, pois a ver a amargura daquelas crianças, num riso forçado que apenas se mantia à luz de uma moeda, na sua luta pela sobrevivência, fugaz e instantânea a cada minuto, senti-me insignificante, inacessível para o que fosse, incapaz de exigir um cantinho para a minha felicidade. Que posso eu dizer ou fazer? Quem sou eu para pedir mordomias?
O rapaz surgiu. Grata, ofereci-lhe uma moeda. “Shokran, guapa.” Sorri e vi-o afastar-se, sorridente na sua miserável vivência quotidiana, abalando energicamente.
Esperei mas não muito. A ansiedade tomava conta de mim, os segundos não cessavam até observar o laranja esvoaçante de Ana, e os restantes companheiros de viagem. “Puff...aliviada.”
Esquecido o episódio, pedimos ao nosso condutor que nos tirasse uma foto, algo bastante incómodo, quando se é ingénua e ocidental, pois toda a simpatia de um egípcio tem, na maior parte dos casos, a finalidade de receber uma ou mais moedinhas (preferencialmente), em troca. Nenhuma de nós quis dar gorjeta, já nos tinham avisado que a gorjeta já tinha sido aviada, por conseguinte, o bendito senhor passou toda a viagem a zurrar, como um burro, proclamando sons parecidos com “euro” e “madame”. Sons esses que decidimos, em risada melódica e compassada, ignorar, na nossa descontracção turística, sentindo-nos protegidas e superiores, divertidas na nossa altivez indestrutível, certas de um final feliz.
Já passava do meio dia e meio. Volvemos até ao “Beau Rivage”, famintos por uma extasiática refeição, passando os soalhos dos diversos paquetes até passarmos pelos nossos quartos e a belíssima sala de refeições, onde uma meia dúzia de garçons, nos saudava, com um sorriso encantado e uma face polida. “Toda e qualquer semelhança, com a realidade egípcia, é pura e mera coincidência..”, pensei eu. Um barco de cinco estrelas, com tratamento de cinco estrelas, com empregados de cinco estrelas. Sentia-me uma princesa, literalmente, ao pé de toda aquela gente em processo de sobrevivência. Na mesa do costume, com as pessoas do costume, deleitei-me com o prazer da gula, desde a entrada até à condimentada carne, acabando na fruta e na exótica tâmara. Os empregados, nas suas brincadeiras habituais, serviam doses generosas, mesmo que já tivéssemos dito mais de três vezes “stop” ou acabado a refeição, o bom humor fazia parte do pacote que nós tínhamos negociado.
Naquela noite haveria o baile de máscaras e eu, mesmo tendo comprado um belo fato de ventre, sentia-me desconfortável e hesitante, já que a maioria da tripulação, idosa e e muito religiosa, poderia não aceitar bem essa minha ousadia e decidi que em Kom Ombo, no mercado, ensaíaria, uma vez mais, o persuadir do regatear, comprando uma bela túnica.
Meti-me na minúscula piscina, a saborear o “ir e vir” de palmeiras que, ora sumindo, davam lugar a grandes e cheias zonas desérticas com areal e montanha, ora vindo, implementavam uma sensação de fescura e vida nos nossos olhos, como nunca vivida antes. Os passageiros daquele esplêndido barco já faziam um balanço, já trocavam ideias e palpites, excitados e expectantes, envoltos numa brisa quentíssima e abafada, apreciando a beleza natural que uma viagem, de essência inatingível, lhes podia proporcionar.
Os meus olhos perdiam-se, e eu também, ao olhar tamanha infinitude e história. Um cultura perdida, uma cultura emergente. No trepidar de sons, brincadeiras, gritos, chapinhares e risos, perdi-me em cada pontinho que avançava no Nilo, com a abrasadora miragem que me era demonstrada, secando cada milésimo da fogosa aragem a minha eurubecida face, contrastando com a frescura amena do corpo, submerso naquela mini fonte de escapes.
Quase 17:00. Passou-se por felucas, humildes pescadores nos seus barcos e crianças que, nuas e atrevidas, se bamboleavam para nós, sorridentes, desaparecendo num mergulho. Casas cinzentas, desprovidas de côr, já faziam parte da paisagem permanente, na qual já se começava a avistar uma povoação, com a sua estrutra hiper aglomerada, de casas e coisas, com umas ruínas de um templo, situado junto às margens do rio.
Seco-me, visto-me e todos anseiam em continuar a bela visita pela mais enigmática das velhas civilizações, seguindo o seu grupo e a sua guia. “Famíííília”.
A pé, num compasso lento, seguimos pela rampa que nos daria acesso ao Templo de Kom Ombo, dedicado aos deuses Hórus, Deus falcão e Sobek, Deus crocodilo.
Pus creme, factor 40, e avancei frenética, habituada ao gesto automático da tirada de fotografias, de o retirar de imagens invulgares e caprichosas, onde sobreviviam vestígios coloridos dessa longínqua civilização.
O templo, greco-romano, foi dedicado a dois, grandes e antigos, deuses Egípcios e por esse motivo todo o templo é dotado de uma singular simetria, sendo o aproximar do crepúsculo uma hora favorável que nos leva a uma mais confortável posição, com uma fraca e quente brisa a soprar enquanto visitamos salas e santuários.
Não consigo deixar de reparar no fluxo de turistas por aquelas bandas e, claro, em vários portugueses que se denunciam através dos lenços, com a nossa bela bandeira, na cabeça. “Somos portugueses mas não digam nada, é segredo..Chiu..”. Eu e mais umas quantas pessoas velhotas esboçamos um sorriso tímido, sublinhando: “Não há problema, segredo guardado.” Felizmente não vi muitos gregos por ali..
Quase 18:00. Depois da visita história voltei ao mercado local e, uma vez mais, sozinha. Contudo, a atmosfera estava livre de pós e charrettes decoradas com fotos de revistas, pois o mercado situava-se num interior de um jardim, povoado de arbustos e médias árvores floridas, havendo um café ao ar livre onde uma bebida fresca caía sempre bem. Músicos animavam o fim de tarde e fumava-se “sheesha”, o cachimbo de água, generalizado em toda a comunidade masculina islâmica, em muitos cafés do Egipto.
Não parei e segui viagem. Tinha menos de meia hora para descobrir uma bela túnica para a festa, por um bom preço. Dejá-vu. Dezenas de comerciantes emergiram e lojas coloridas com roupa, e lembranças, compunham aquela comprida e estreita avenida junto ao rio. Cautelosamente, averiguei o merchadising até que um escuro e sujo comerciante, de dentição desfalcada e hálito fumarento, me fixou por estar a observar uma bonita túnica azul escura bordada. Logo veio o “ataque”. Não poupando esforços, o hábil egípcio buscou a vestimenta situada no topo da sua tenda, bem acima do nível das nossas cabeças e logo pediu 500 libras egípcias, equivalentes a mais de 50 euros. “Oh excelente. Vamos lá jogar um pouco este novo e interessante desafio.” Desta vez, foi mais difícil ganhá-lo já que tive de virar costas ao inteligente vendedor umas cinco vezes, apanhar com gafanhotos velozes, algumas agarradelas de braço, dois olhos vidrados, fixos de plena fúria e uma voz que se fazia ouvir a duzentos metros de distância. Felizmente, arrecadei a túnica composta por duas partes separadas, por menos dez vezes aquilo que o senhor me tinha proposto inicialmente.
Agradeci, com o ego triunfante. Uma mulher de preto, apenas com parte da cara visível, agachada no chão, perto de um cesto tapado, me chamava, flexionando o dedo indicador, faiscando o seu olhar de malícia. Hesitei, sentia-me compelida a destapar o cesto, arriscar, fazer o que a mulher queria mas não o fiz. A pressão das horas fez-me acelerar o passo naquela avenida junto à água, esquecer o cheiro cozinhado de suor, especiarias, tabaco e perfumarias exóticas, fez-me, porém, ficar com a dúvida do que realmente estaria no interior daquele cesto. Talvez foi melhor assim. Quase 18:30.
Tive acenos e olhares dos meus companheiros de viagem que por ali vagueavam, felizes da vida e, de certeza, mais pobres. Estava determinada a juntar-me a eles em direcção ao “Beau Rivage” mas um moço, magro e da minha altura, impediu-me, atravessando-se-me no caminho com um curioso instrumento musical. Sorri porque ele tocava, suavemente e bem, fazendo com que parasse, com que me esquecesse da pressa para me arranjar para o jantar, que me esquecesse de tudo, ouvindo paralisada um belo som, vibrante e místico. Regateei mas não muito. A pressa ressurgiu pois em breve o barco iria renascer, em vida pelo leito do rio Nilo. Levei o belo instrumento, uma “Rababa” e corri, meio perdida em direcção ao meu rumo.
Já passava das seis e meia. Tinha meia hora para tomar banho, escolher a minha fantasia para a festa árabe e arranjar-me. Mesmo assim, sem saber bem o que vestir, decidi refrescar-me na piscina, numa fim de tarde quente e viva, onde sentia que cada dia passava tão depressa como um segundo, numa escassez de temporalidade crescente e irreversível, como se cada dia fosse metade do anterior, como se o mais belo e lindo não conseguisse ser suficientemente vivido, tendo de ficar num passado que talvez não retornasse para mim. Mesmo nostáligca, senti-me feliz. As palmeiras, o deserto, o cheiro, o árabe silibado à distância pelos empregados, o sossego do coração, um pôr do sol, lento mas imponente, levavam-me a esboçar um sorriso para mim própria, como se eu fosse detentora de todos os meus sorrisos e alegrias naquele bago de felicidade temporal.
18:45. Tinha excedido o meu tempo de filosofias e resolvi explorar o meu pragmatismo aventureiro. Tinha exactamente quinze minutos para me sentir bem comigo mesma, ou seja, lavar-me, vestir-me, pintar-me, entre outras coisitas. Adoro aventuras.
Despi-me numa velocidade que não conhecia, atirando cada peça de roupa aleatoriamente pelo quarto, correndo pedaços de metros, fugazmente. Abri a torneira do duche, e esfreguei a minha densa massa capilar, cantarolando, com fúria do tempo que não parava.
Limpa e enrolada numa toalha branca, decidi experimentar os véus que produziriam um fato de dança do ventre, preto, composto de moedinhas douradas. “Bolas, telemóvel a tocar.” Err..Atendi mas tinha pouco mais de cinco minutos e, na bela decoração cénica do 211 com peças vestuárias no chão, na cama, na cómoda, na mala, um pouco por todo o lado, consegui disfarçar a transparência da minha máscara para aquela noite. Olhei-me ao espelho e maquilhei-me, utilizando o básico. Não tinha tempo e queria sair do sufoco do quarto para encontrar os meus amigos de viagem, nas suas máscaras, nas suas novas identidades, queria sair dos quinze minutos de pressão para viver duas ou três horas de descompressão total, sem inibições ou restrições. Saí do 211.
Cá fora, ouvi alguns assobios e sorri, avançando num compasso seguro e regular até à porta do bar para tirar uma fotografia. Tirei uma foto acompanhada mas o fotógrafo não desistiu e quis repetir a dose..O resultado é que não foi bom, ne c’est pas?
Cumprimentei todos que vi. Uma onda de boa disposição tinha entrado no barco. Não interessava a idade, nem donde vínhamos ou até se erámos meros desconhecidos juntos sob o mesmo tecto, mas marcantes eram os sorrisos que se contagiavam a si mesmos, os sorrisos e os olhares brilhantes que uma vez saídos, tão cedo não iriam adormecer. Ao invés, serviriam para libertar outros espíritos interiores, outras simpatias, gargalhadas e divertimentos. Era para isso que ali estávamos. Para sorrir.
Desci as escadarias para a nossa “cantina” e deparei-me com algo de novo, diferente das outras noites. Encostada à porta, vi um grupo de músicos, ao fundo da sala, a fazer soar ritmos velozes e alternados nos seus tambores, andando e formando uma roda, com roupa típica e com pequenos chapéus de algodão. Também eles sorriam e entoavam sons, cantarolavam. A iluminação da sala aumentava a unicidade daquele momento, havendo apenas uma quantidade de velas acesas, dando um aspecto sombrio, misterioso, onde pequenas sombras se formavam, os movimentos dos mascarados pareciam suaves e delicados como veludo, onde as feições dos rostos e a múltiplas roupas, feitas de lantejoulas, cores preciosas e bordados rigorosos, davam uma sensualidade lúgubre à arquitectura da sala. Mas eles pararam e eu acordei para o jantar.
Bateram-se palmas e fizeram-se muitas exclamações, à medida que se restaurava a electricidade e a magia se dissipara para dar lugar ao início de um também fabuloso banquete, vendo-se um buffet rico de travessas volumosas, pães variados, pratos que esfumando cheiros e especiarias, me fizeram abrir o apetite e aguçar a curiosidade.
Todos se dirigiam em direcção ao buffet, deixando uma vastidão de cadeiras sozinhas, onde cada um dos meus companheiros de aventura, envoltos nas suas belas máscaras, turbantes e pinturas, dialogavam e sorriam com os empregados, doseavam as suas refeições tirando de tudo um pouco, apimentando e picando os ingredientes.
Na nossa mesa, comemos, experimentamos a gastronomia egípcia: a carne com o temperado picante e aromático, o peixe com molho de tomate picante, as entradas, o pão fino e estaladiço, quente e delicioso.
A banda sonora daquela sala era constante, uma sinfonia de alegria, espírito e boa disposição, onde cada um encarnava uma personagem feita de novos sentidos. E eu e os quatro da minha mesa continuávamos, sorridentes. A fazer viver aquela festa.
Fim do jantar. É altura de avançar para o andar de cima, tendo como destino o bar. A pista de dança estava prestes a abrir, o D.J. já ensaiava o som que iria compôr aquela divertida festa árabe. Que festa está completa sem uma boa música para a malta aproveitar? Estava ansiosa para ir para a pista e dançar. Queria praticar alguns dos meus modestos conhecimentos de dança do ventre, uma arte que me entusiasmava bastante pela sua subtil beleza. Braços firmes mas ondulantes, cabeça direita, corpo energicamente lento e coordenado, rodando sobre si mesmo, tendo como guia a parte traseira do corpo num movimento fulminante e convicto. A difícil dança do ventre.
Falei com o simpático D.J. argeliano enquanto todo o grupo não se reunia e, antes que se fosse dançar na pista até gastar a sola dos sapatos, cada grupo tirou uma foto de recordação com o seu guia. Não pude deixar de sentir orgulho naquelas pessoas que faziam parte da minha vida há quarenta e oito horas e, no entanto, eram-me quase desconhecidas. Nada de relevante sabia delas, apenas conhecia a aparência.
21:30. Música. Todo o grupo se iam agrupando e, pouco a pouco, as senhoras da 3ª idade soltavam a sua irreverência sob os focos de luz, lembrando todos os “clichés” de filmes, anúncios ou imagens onde a mais inofensiva das velhinhas se revelava um animal selvagem difícil de domar, numa energia cómica e surpreendente. Dancei com os meus companheiros, fazíamos rodas, coreografias e cada um se mexia na sua forma mais particular. Todos temos uma personalidade. Todos. E uma personalidade distinta.
Acabei por sair dali passado algum tempo, apesar do barulho intenso das minhas moedinhas espalhadas pelo corpo e do encaixe numa nova personagem que morreria daí a escassas horas. Resolvemos jogar às cartas no terraço do “Beau Rivage” onde, já parado numa cidade egípcia chamada Assuão, se estava ainda quente e abafado, numa noite ideal para dormir sob o céu estrelado e magnífico do Médio Oriente. Nas nossas fantasias, jogámos, falámos e, mais tarde, deitámo-nos nas espreguiçadeiras junto à piscina, cansados do dia, cansados de nos divertirmos, querendo apenas observar o céu e ouvindo a música islâmica que vinha dali perto, de uma fantástica festa de casamento. Deitada, sentia que podia fechar os olhos e deixar-me embalar pelo calor da noite, pela frescura do ar, pela luz apagada das constelações, pelas notas árabes de uma festa que parecia distante, o suficiente para me adormecer sem incomodar nenhuma réstia dos meus sentidos. Arrastada pelos véus que me enfeitavam e pelas moedas que fugiam, reconhecida à distância pelo barulho que caracterizava o meu movimento, desloquei-me, levantei-me, perdida de sono. O cansaço vencia-me, o meu aspecto desgastado e “usado” de uma noite ímpar me levava a procurar um refúgio isolado e calmo, um berço para repôr o sono. Houve alguém que me apelidou de “Shakira” e no meu sorriso dormente, deixei-me comandar mecanicamente até à porta do 211, “jinglando” a cada passo, esquecendo quem era ou o que estava a fazer ali, regressando a uma cama que poderia até ser uma qualquer, normalíssima, igual à que tinha no meu quarto a mais de quatro mil quilómetros de distância.

março 29, 2006

"Ó tempoooo, volta para tráaasssss!"

"Um espelho que devia estar partido"
Olá amigos. Desapareci de novo, mas voltei, na tentativa de preencher um pouco dos vossos minutos com os meus segredos. Quer dizer, isto é uma treta do caraças, não vou divulgar publicamente os meus segredos, principalmente os íntimos, se bem que, diga-se de passagem, não são assim tantos quanto assim. De forma codificada, acabo por revelar aqui muita coisa..Mea culpa. Humpf.
Enquanto a merda do estágio não começa - e esta é a palavra correcta, porque já estou farta da situação - continuo a ir ao ginásio, continuo a suar que nem uma porca depois de 15 minutos no tapete, com corridas, muitas respirações bufadas e bochechas rosadas. Continuo a cantar, a preparar-me para a prova final daqui a uns meses e continuo a ler, a ter ideias, a ver filmes. Tenho saudades de ir ao cinema. Isso não tenho feito. Também tenho andado mais poupada. Sabe-se lá onde vou parar daqui a uns meses..
Acaber de ler o "Equador" e comecei já o "O Codex 632", de, um dos meus preferidos profissionais no mundo da comunicação e informação, o caríssimo José Rodrigues dos Santos. Foi como de uma tempestade tropical para o calor do deserto: é mais suportável, lê-se melhor, é mais leve. Em boa verdade, só estou na página 50 ou perto disso, mas as escritas são totalmente diferentes, apesar de ser indiscutível o elevado interesse que o "Equador" provoca. A temática é polémica e, a meu ver, muito actual. Como uma amiga me disse, "O tempo da escravatura ainda não acabou". E não acabou mesmo. Hoje as questões da pele, secalhar, já estão ultrapassadas - e digo secalhar, porque o nosso país, este Portugal pequenino, é dos países mais xenófobos, racistas e preconceituosos que já vi, algo que nunca tinha constatado com tanta evidência - e há outro tipo de estereótipos, de tipos sociais, de papeís que têm essa dignidade fascinante de substituir o preto chicoteado no óbó do Equador. A vida continuar a ser dura e longe de ser igual para toda a gente, esse lema da "igualdade de oportunidades" não é válido em lado nenhum, com muita pena minha. Nem aqui, nem na China. O marketing e a propaganda assolam o mundo, a estratégia tá em todo o lado e a ingenuidade descrita na literatura romântica francesa já não povoa o espírito de ninguém. Deixemo-nos de tretas, sim? É o que eu digo. Factor "C". Mas, mesmo assim, há que não perder esperanças. Analisar os terrenos, deduzir as hipóteses e encontrar uma via. A rápida, de preferência, com a portagem da honestidade. É pena as portagens dos dias de hoje serem tão caras. É uma tentação fazer corta-mato, não é?..Eu digo não. Ponto.
Vou voltar às minhas leituras e deambulações diárias. Deixo-vos o dia 2 da minha viagem ao país dos Faraós..Desta vez..com uma leitura mais espaçada, digamos. Cheers. L.
Dia 2 18/07/2004 Domingo

Luxor – Tebas - Karnak
Silêncio..
Trimmmmmmm..TiRiRi..TiRáRá.. O despertador toca.
“Oh bolas..Não dormi?!”
Era verdade..Tinha passado aquelas ínfimas horas a dar voltas na cama do meu 333, ouvindo os polícias na rua a falar o seu árabe, convulsivamente, perdendo por milésimas de segundos os sentidos, mas recuperando sempre, saindo do abismo do sono, perturbada pelo barulho desgastante e cíclico dos geradores, da sala ao lado.
4:45. 2:45 em Portugal. Great. Uma directa. Lentamente abri os olhos, sentindo aquele cansaço intenso nas pálpebras, um peso consternador nos glóbulos oculares, inimaginável. Levantei-me de repente, tentando despertar rapidamente.
“Lara, não podes falhar no primeiro dia.” Visto um top azul, uma saia comprida de algodão branca que, por muito que apertasse, me ia descaindo e coloco o meu lenço azul com pequenas lantejolas nos ombros. Refresco-me na casa de banho, mais desperta, sentindo aquele entusiasmo no corpo cansado da noite não dormida. Olho pela janela. “Ainda é de noite.” Pergunto-me porque nos mandaram levantar tão cedo mas, sem demoras, olho para o relógio. 5:00. Ok. Pego nas minhas duas mochilinhas, levo água, deito as sandochas do dia anterior no lixo e desloco-me até à porta do número 333, procurando a sua saída.
Caminho pelo estreito corredor, cruzando-me com algumas pessoas já conhecidas. Desço as escadas ensonada. Os “garçons” cumprimentam-me. Uns em francês, outros em inglês..O sono é bastante e o ar de zombie também, ligo o processador cerebral para mínimo e respondo sempre em português. “Bom dia.” Passando pela recepção, viro para a esquerda, desvio-me de um pilar para não esbarrar nele, desço as escadas e entro na enorme sala de refeições que me iria acompanhar na viagem.
A sala ainda estava muito vazia, poucas pessoas estavam já sentadas nas cadeiras almofadadas, comendo “les pétits croissants” e falando dos “barulhos que as impossibilitaram de ter uma noite descansada.” Pensei para mim, “Parece que não fui a única.” Deixo as minhas coisas no sofázito e busco pão, doce, manteiga..Um empregado ao pé do buffet pergunta-me “Feliz?”, pergunta à qual respondo, sem hesitar “Feliz mas com sono! Não dormi nada...” Curiosamente, quando o mocito percebe que fiquei no quarto 333 diz “Too bad..too much noise!” Finalmente, sentia que alguém me compreendia. Não é que, quando dissesse às pessoas que não tinha dormido nada, elas não compreendessem. Fora de mim afirmar tal coisa. A questão é que fazia MESMO muito barulho no meu quarto e não era “Aquele barulhinho de fundo.” No meu caso, era um barulhão incessante que, para além de ser chato por existir em alto volume, era repetitivo, sem cessar. Roinnnn..Roinnnn..Roinnn.
Decidi que ia pedir para mudar de quarto e foi, exactamente, o que fiz depois de tomar o meu pequeno almoço em tranquilidade com as três moças do Porto e um senhor que também viera sozinho.
6:00. Fui à recepção mas disseram-me que tratavam disso depois do almoço. “Ok, na boa.” Já estava a amanhecer. O céu era composto por uns tons rosas que ganhavam imponência e beleza com o decorrer dos minutos. Cá fora, fazia-se sentir um calorzinho agradável, pouco forte mas que denunciava, à partida, o calor que iria decorrer durante o dia. Lentamente, as pessoas se juntavam aos seus guias.
“Famiiliaa!”. Ana. Eu já estava no passeio, ao lado da escadaria, quando aparece a guia rechonchuda, de pele escura, cabelo preto preso e olhos delineados, procurando os seus filhinhos, com um ponteiro de professor na mão direita, estando atado ao topo deste um lenço laranja com outras formas, mal perceptíveis no meio.
Vê-me, junta-se a mim, cumprimenta-me com um sorriso que alguém denominou “semelhante ao da Fafá de Belém”. Simpática Ana.
O grande grupo vai-se aproximando e dividindo em quatro. Quatro guias, quatro camionetas, quatro grupos. Um mar de gente com bonés, óculos de sol, equipamento extraterrestre e chapéus de chuva, entravam para o seu respectivo veículo, quebrando, finalmente, a expectativa de se conhecer a antiguidade do Egipto.
E assim foi. Vislumbrei a beleza do céu rosado com o sol a nascer sobre o rio Nilo e as palmeiras ao fundo a contrastar com as montanhas áridas. Entrei na camioneta e sentei-me no fundo. A Ana falaria das nossas visitas: 1º, Colossos de Mémnon, depois, Vale dos Reis e das Rainhas, seguido do Templo de Hatshepsut e por fim, Templo de Luxor e de Karnak.
O nosso veículo arrancou. A condução meio descuidada não era muito propícia ao momento mas a beleza visível do Nilo fazia-me esquecer cada solavanco sofrido de 5 em 5 segundos. Bem, talvez não fosse tanto..mas andava por aí. O rosa estava a dar lugar ao azul, reflectindo a luz solar nas águas verdes do rio. Perto da estrada viam-se casas de muitas côres, muitas inacabadas com roupa estendida e rodeadas de terra, areia, deserto. Afinal, eram apenas as margens do Nilo que continham canais de irrigação, palmeiras e muita vegetação: a vida do Egipto. Mais de 90% das suas terras eram constituídas pelo calor do deserto, por dunas e montanhas sem fim. Mas essa era a beleza. Esse contraste fazia toda a diferença: um verde escuro e infinito, ao longo da costa, assombrada por curvas cremes, dando ao Vale do Nilo um exotismo, transportando-nos para outras eras e épocas. Ali podíamos viajar em sonhos, em pensamentos e voltar sempre felizes com o que tínhamos feito nos nossos pensamentos deambulantes. Constatei isto e percebi: ia ser a viagem da minha vida.
Colossos de Mémnon. Duas grandes estátuas perto das montanhas, onde se situa o Vale dos Reis e das Rainhas. Antigo, alto. Num mau estado de conservação mas bonito.
Vale dos Reis e das Rainhas. A antiga necrópole egípcia situada na marcante cidade de Tebas, um importante ponto na história da civilização das dinastias egípcias. A temperatura subia e a areia no ar também. Íamos em rebanho, seguindo o lenço mágico de Ana, visitanto os túmulos dos faraós e rainhas passadas. Tudo decorria na normalidade, com momentos de pausa em que a nossa bela guia dava umas explicações sobre o local. O que não foi nada, mas mesmo nada calmo, foi avistar abelhas do tamanho de grandes nozes a passar por mim. “aiiii..saiam daqui, suas macacas peludas!!”. Saquei logo o meu santo repelente e espalhei-o por tudo o que era sítio. Que alívio. Mas nunca mais pus os olhos em cima desse bendito repelente. Eu quero o meu dinheiro de volta..
História engraçada. Num dos túmulos de um príncipe, estava o seu feto com 5 meses. Pelo menos, acho que é isto. Em nenhum destes túmulos antigos era permitido tirar fotografias, como é compreensível, por uma questão de conservação das inúmeras paredes com os quadros em relevo e as suas escassas cores antigas. Ora, lá dentro o calor aumenta consideravelmente. Entrámos com cautela, pois o espaço era pequeno e estava protegido com vidro a toda à volta. Nessas paredes, observavam-se cenas em que o faraó e o seu filho, ofereciam aos deuses muitos bens. A deusa Ísis, o deus Osíris, todos eles estavam presentes nessa passagem importante: a entrada no mundo dos mortos. Todos os textos que tinham de ser lidos na cerimónia de enterro do defunto, encontravam-se esculpidos nas paredes com os milhares de símbolos hieróglíficos. Aves, ondas..Os cartuchos eram constituídos por estes símbolos, a escrita antiga dos egípcios e que continham a identidade do faraó, o intermediário entre o divino e o terreno. Mas..
Rewind. O cómico é que, quando me inclinei e aproximei para observar a múmia do príncipe, um simpático egípcio tinha uma mini ventoínha para refrescar. O que não foi nada simpático foi, logo 5 segundos depois, estender-me a mão e afirmar “1 euro”. “Ah..estes fulanos..”. Estranhei a ventoínha mas por momentos esqueci-me que, de 5 em 5 minutos, todos os egípcios nos rodeavam com um pretexto de ganhar pelo menos 1 euro. Sim, porque menos que isso não chegava para eles. Cedi, ofereci uns trocos ao senhor mas, visivelmente, não ficou lá muito contente. A frase do dia era sempre “1 euro madame.” Estamos num mundo cão, não é verdade?
Túmulos com résquias de côr, muito bafo quente e suor. Inscrições lindíssimas na parede que nos deixavam maravilhados, magnetizando os nossos olhos e os nossos sentidos. Ali sim, estava num mundo mesmo muito distante, anterior e magnífico.
Deviam ser quase umas 10 horas. Vendedores com as suas pequenas bancas, no meio do nada, com esculturas, lenços, postais, véus de dança do ventre e rolos de máquina fotográfica, rodeavam-nos, incessantemente. “La, la. Shokran”. Devem ter sido as palavras que mais proferi nesta semana. Homens com as suas vestes compridas e escuras, sinal de protecção do corpo, reduziam os preços das suas mercadorias à medida que nos afastávamos. “Not 40 euros, but 20!”. Sinceramente, não estava para aí virada, ía ter muito tempo para fazer compras. Parece que não fui a única a pensar assim. “Cabeças de Nefertiti há muitas!”, como dizia o outro. E a seguir..
Templo de Hatshepsut. A camioneta parou num ponto e a partir daí fomos de “comboiozinho à jardim zoológico” para esse antigo espaço de uma famosa rainha egípcia. Tantos turistas que passavam por ali. Nunca pensei encontrar tanta gente e logo, tão cedo. Mas eles não paravam de aparecer e estragar o fundo das fotografias. O que é que se pode dizer? Não posso vedar-me num raio de um kilómetro, pois nao? Talvez se estivesse ali o Bin Laden ao meu lado, piravam-se todos num instantinho. Havia uns quantos egípcios que se adequavam ao perfil..AhAh..que mázinha.
Mais uma vez, um simpático egípcio utilizou uma EAE. Estratégia Aproximação ao Euro. Infelizmente, não foi bem sucedido. Para além de ter oferecido os seus conhecimentos árabes para fabricar, quase instantaneamente, um turbante com o meu véu, ainda tirou uma fotografia. De novo, sofri de amnésia temporária mas quando o senhor proferiu as palavras mágicas, caí de novo na realidade. “Eles não são nada tímidos como os portugueses..”. Só me ria.
11:30. Esperámos que o resto do grupo tirasse fotografias e se juntasse para avançarmos no nosso passeio, regressando até Luxor.
O calor fazia-se sentir e o suor escorria pelas pernas, havendo sinais de alguma fadiga física. Não, isto não é para nenhum anúncio de fármacos ou medicamentos.
Apesar de algumas horas já passadas, a beleza do sítio fez-me querer continuar a procurar, a investigar, para encontrar mais raridades daquelas, algures escondidas entre uma palmeira e uma duna.
Avançámos na camioneta, de volta à nossa cidade, para observar os imponentes Templo de Luxor e de Karnak, uns quilómetros distantes um do outro. Paisagens lindas à vista de um sol forte e grande. Muitas palmeiras, centenas delas, eram avistadas da minha janela, todas juntas e unidas, decorando, sem fim, as margens ricas do rio Nilo. Canais de irrigação, faziam parte do cenário antes de atravessar a ponte. O rio Nilo. A força e vida daquela população, pobre e lutadora, que a cada dia sobrevivia com mais nada na alma do que a sua fé. Talvez não. Mas viviam como muitos não conseguiam viver. Era um povo forte e vivo. Com força de espírito.
Aliás, são ainda assim.
12:00. Templo de Luxor. Devem passar dos 40 graus. Calor. Um calor seco, suportável, mas desgastante para quem está a pé desde as 5 da manhã. Pior para quem não dormiu. Como eu. Roinnnn... Um obelisco enorme tapa a luz do sol. Tiro fotos e fotos. Maravilho-me com a perfeição das estátuas, grandes e antigas, que em tempos ostentariam uma magnitude: a imponência e poder incontestáveis do Faraó.
“ Que lindo”, pensei. Dezenas de turistas deambulavam entre as altas colunas, de belos capitéis e relevos circundantes, como se estivessem perdidas num labirinto com as suas máquinas, controladas pela beleza de um labirinto que queriam explorar e viver. Sentir. A alameda das esfinges era comprida e antecedia as duas grandes estátuas de Ramsés II na entrada. “Aa gênte sábe qui estê foi o faraóó maix mulherengue de todos us tempus. Tevi mais de 300 filios.” Sim, senhora, que contributo para a nação.
Templo de Karnak. Perto das 13:00. Fome, sede, cansaço. Vou à “cafateria”, como diz a nossa Ana, e compro duas garrafas de água. Uma delas, bebo freneticamente.
Tinha-se acabado a minha bateria da máquina fotográfica mas pedi ao senhor do norte para me tirar uma foto com a máquina dele, na Alameda dos Carneiros.
Maior do que o Templo de Luxor, em Karnak a sala das colunas possui mais de 300 daquelas. Grandes colunas que, em tempos, eram a vida do lugar, com inúmeras côres, feitas com os vários recursos que os egípcios retiravam das suas terras: folhas, lápis azuli..Quer dizer, acho eu.
Visita à sala das festas..E já alguém imagina os antigos sacerdotes a dançar à volta dessas colunas, todos de mão dada e perninha no ar, com as suas saias arrebitadas. Deve ser do calor..
Lago Sagrado de Karnak. Onde os sacerdotes se purificavam para poder realizar todos os rituais necessários. O grupo, por esta altura, está visivelmente esgotado, após tantas horas de caminhada, de pára-arranca, de exposição intensa ao sol. “Avança, Ana. Nós já percebemos.” Um templo sem fim, com um obelisco enorme junto à estátua do escaravelho que dizem dar sorte no amor, se dermos três voltas no sentido certo, ao contrário do sentido dos ponteiros do relógio. Criativos, estes egípcios. Um antigo jardim zoológico, num mau estado de conservação, aliás, num óptimo estado de degradação. As ruínas são imensas e o tal terramoto que aconteceu a 27 A.C. também não ajudou. Destruíu parte deste imenso templo e de muitas outras belas obras arquitectónicas egípcias. A natureza pode ser terrível, não é?
Mais uma história de esmola. Dentro de uma sala com colunas, neste templo, Ana falava do deus Amón-Rá e das formas que podia tomar, nomeadamente, como Amon-Min, representado com uma só perna nas paredes, tomando o símbolo da fecundidade e da fertilidade. O grupo saíu e eu fui a última a sair dessa mesma sala, ficando por momentos a olhar para as gravuras na parede, tentando imaginar como teria sido aquela imagem há milhares de anos atrás. Viro-me e caminho na direcção da saída. “Madame..”. Ok. Dou meia volta para trás e olho. Vejo um egípcio típico, de lenço na cabeça e a sua habitual roupa comprida, escura, a chamar-me. Chamava-me com um gesto, a sua mão queria-me puxar. Olhei, meio desconfiada, mas avancei, curiosa. Não fazia a mínima ideia do que ia suceder. Porque não arriscar? Era a única forma de perceber o que se passava. Mal não me ia fazer de certeza. Pelo menos, era o que o meu instinto me dizia na altura. Aproximo-me do senhor, que se encontrava junto à representação de Amon-Min. Ele pega na minha mão, toca por cima do Deus do sol e depois, repetidamente, toca na minha mão e na parede. “Ehlá, já fui abençoada por um Deus antigo.” Depois, no fim deste processo, toca-me no coração. Sorrio, acho piada. Pelos vistos, ele também achou piada ao facto de eu ter achado piada, e não demorou em estender a mãozinha para a esmolinha habitual, “1 euro”, uma grande fortuna para os egípcios. Mais uma vez, caí na esparrela..”hum, very clever..”. Sorri para ele, bem disposta e ele retribuí esse mesmo sincero sorriso.
Abalámos para o barco já passavam das 13:30 e a moleza começava a tomar conta de mim e do meu organismo. A fome já tinha vindo e ido mas trincava-se qualquer coisita.
Uma cabrazinha andava no meio das ruínas do templo e chamava por nós. Casais de mão dada, passeavam na rua. As mulheres com os seus véus, tapadas, caminhavam despercebidas. Ou não, pois esse facto, fazia com que olhássemos mais para elas. Os homens miravam, descaradamente, as outras mulheres, principalmente turistas que andavam de calções e de ombros descobertos.
As mulheres e as suas vestes. Esse factor era, deveras, interessante para a mente de uma ocidental. A mulher comum andava de véu na cabeça, vendo-se o rosto, mas em alguns casos só era possível alcançar os seus olhos. Nada mais. Seria possível para mim, em alguma situação imaginária e real, viver tapada, não podendo mostrar nem o meu ser exterior e físico, reprimida por leis religiosas e conjugais? Talvez. Neste momento, reflecti, quase como que instantaneamente sobre o assunto. A resposta é incerta.
Entrei no autocarro, no meu lugar habitual traseiro, em direcção ao “Beau Rivage.”
14:00. Almoço. O barco começa a andar e, enquanto desfrutamos do prazer da gula, olhamos pelas janelinhas no topo das duas paredes da grande sala, que ocupava grande parte daquele piso e observamos as palmeiras e as suas folhas em movimento, a caminhar, sem parar. Levanto-me, ligeiramente, para assistir com maior precisão ao espectáculo paisagístico que se apresentava diante dos meus olhos. Palmeiras de vários tamanhos..vegetação..O deserto, sempre o deserto montanhoso a proteger o vale do Nilo. O deserto. O verde. Um sem o outro não existem. Independentes, livres dessa oposição, matam toda a infalível existência de um rio, ícone de uma eterna música paisagística. O conjunto, a caixa, o aparelho, o visual: ofereciam uma beleza sem fim, uma metáfora que matava as grandes civilizações dos nossos dias.
Surpresa. As bebidas pagam-se à parte. Cada um pede o que quer e depois assina um recibo com a “encomenda” e, claro, escreve o número do quarto. Não pode haver enganos. Non, non monsieur. Hum...o quarto, é verdade. Lembrei-me que tinha de fazer uma operação antes de ir à piscina para uma banhoca.
Fim do almoço. Fomos até ao bar, claro, fomos conhecer o resto das instalações náuticas. Foi com alguma desilusão que percebi que a discoteca não passava de um círculo dentro do bar, com uma pilha de luzes psicadélicas em cima. “Oh, pode ser que com tanto espaço, consiga dançar como se fosse um pau de vassoura.“
O bar situava-se na parte superior do barquinho. O andar da recepção era constituído por dois longos e estreitos corredores alcatifados, com quartos de um lado e outro; por baixo, a salinha de refeições com uma W.C.; em frente da recepção, umas escadas que dariam a um espaço aberto com quartos de um lado, num novo corredor, a loja de roupa, “souvenirs” e ouriversaria; subindo-se umas escadas, ia-se para o quarto andar, com o bar, bastante grande à esquerda, uma nova ala de quartos; à direita passando a breve escadaria, chegava-se ao Convés Bar: o terraço do “Beau Rivage”, com uma humilde piscina de 52 metros quadrados, espreguiçadeiras para apanhar banhos de sol, uma parte coberta para tomar um cházito ou um bolinho e um chãozinho de relva artificial que escaldava cada dedinho do pé.
Fui à recepção. Encontrei Ana pelo caminho, que conhecia o meu problema do quarto e que me auxiliou. Levou-me ao quarto 211, no piso da recepção, ficando no interior do estreito corredor decorado com diversos quadros turísticos e orquestrado com uma música ambiente, árabe, mesmo ao lado daquela. O quarto parecia muito mais agradável que a minha “estreia”. Maior, com muito menos ruído, com uma casa de banho menos apertada e até, com um quadro na parede. Que bom, Ana. A tradutora de português-árabe, árabe-português deu carta verde para prepararem aquele quarto. Entretanto, dirigi-me ao meu 333 para preparar a transladação efectiva para o 211. Dito e feito.
Entrei no 333 e deparo-me com uma cena engraçada, que por acaso já tinha observado antes do almoço. Uma cobrinha feita com a capa do cobertor, da cama, por cima desta. A seu lado, um jarro branquinho com uma rosa. Artifical, claro. Se pusessem rosas verdadeiras, em todos os quartos, todos os dias, o negócio não devia render muito. Preparo a minha malinha azulinha com rodinhas e o resto. Ok, esqueci-me de duas garrafas de água no quarto, dentro do frigorífico. Mas agora é um pouco tarde para isso, não é? Não me lembrei disso e abalei, depois de me terem telefonado. “May I..?..”. “Yes, I’m ready. Thank You.” Segui o rapaz, que levava a minha bagagem, para o 211. Ali também tinham a mania de pedir gorgeta. Quer dizer, chamemos-lhe, hábito. Infelizmente, eu nunca me lembrava e a mão não ficava estendida por muito tempo. “I’m sorry.. Shokran.”
Que alívio. O sono pesava-me de uma noite barulhenta e de uma manhã muito, muito comprida. Contudo, sem hesitar, abri a malinha, procurando o meu bikini. Preparei tudo. Levei as minhas coisas “impossíveis de perder, senão estava frita”, o chapéu, os óculos, o protector solar. Deixei as coisas semi desarrumadas no quarto.
Abri a porta e tranquei-a, utilizando a chave presa a uma argola colada à chapa dourada, com o 211 inscrito. “Ai...”. Tinha alguma dificuldade em deixar aquilo mesmo fechado. Não conseguia fechar e, muitas vezes, também não conseguia abrir. Nunca percebi para que lado é que tinha de virar aquilo.
Rewind. Tinha visto os jovens com quem tinha falado no aeroporto e quando cheguei à piscina, eles já lá estavam. Travei uma rápida relação de à vontade e de sentida amizade.
O Nilo. Dentro da água morna e clorificada da piscina, observava toda a beleza única do rio. O exotismo prevalecia, o vento quente que nos rodeava. Uma feluca ou outra no rio, um transporte semelhante ao nosso, ao passar, que apitava. Senti-me tão bem que me esqueci de quem era ou de onde tinha vindo. A sintonia com aquela beleza, fez-me sorrir, fez-me descansar, repousar a alma de tudo o que tinha sido até então, de tudo o que tinha vivido ou visto. Ali, estava a viajar. A viajar pelo Nilo, um misto de sensações e sonhos. O verde, em determinadas alturas, parecia infindável, superior ao creme do deserto que mal se distinguia, nas suas formas dispersas. Mas não era assim.
Saí da piscina por instantes. Encostei-me ao corrimão do terraço. Imaginava como teria sido tudo aquilo há milhares de anos atrás. Imaginava uma população pobre, vivendo nas suas humildes casas de barro, cultivando e irrigando, protegidos com o forte calor e luz de Amón-Rá. A música egípcia. As cerimónias religiosas em templos coloridos, com tochas espalhadas. Os períodos de cheias e as secas que produziam guerras sem fim, conflitos entre as divididas regiões do Egipto. Um mundo tão longínquo, tão diferente, por certo, e tão perto de mim. Não me lembrei de nada que estivesse fora dali, que estivesse no meu antigo universo. Simplesmente, porque não tinha necessidade, não queria. A confortável sensação “lar doce lar” invadia-me a alma.
Sorri, olhando magnetizada aquela galáxia de beleza. Voltei para a piscina e diverti-me. Ri, falei, brinquei, estabeleci laços com uma data de estranhos que já pareciam ser a minha família.
18:30. Tínhamo-nos despedido de Luxor mais cedo para avançar para Esna, uma cidade complicada de atravessar, por causa das suas comportas que apenas deixavam passar um barco de cada vez. Tínhamos de chegar a Edfú no dia a seguir, para seguir a nossa interessante aventura. Avistei, ao longe, casas e prédios. Vestígios de uma pequena civilização. Mais. Muitos botes estavam ali, a aproximar-se de nós. Não percebi porquê na altura..mas não ia demorar muito tempo. As pessoas aproximavam-se do longo corrimão branco para espreitar os botes, povoados por vendedores egípcios. Botes rodeiam outros paquetes, os vendedores atiram roupa para os tripulantes. Gritam, falam numa vastidão de línguas, especialmente o espanhol. Aproximam-se de nós e esse ritual repete-se. Pequenos botes, com 2 ou 3 pessoas em cada, encostam-se ao “Beau Rivage”. Chamam por nós, gritam “Escucha!Mira!”, mostram vestes, túnicas compridas e de muitas cores. “Non te gusta? E esso?! Mira!”. Atiram roupas envoltas em sacos de plástico, freneticamente, tentam negociar aquilo que podem, numa energia espantosa. “Incrível, até comércio marítimo com tráfego intenso, existe por aqui.” Caramba, os fulanos não desistiam. Uma pessoa dizia que não..mas era a mesma coisa que abanar sim com a cabeça. Perguntavam-nos o nome, tentavam ganhar confiança, atiravam coisas para experimentar. Não consegui escapar, a este ataque tão curioso, mas não comprei nada. Se bem que ia precisar. A nossa “mãezinha” Ana já nos tinha avisado de um jantar especial, no dia a seguir, onde deveríamos estar mascarados. Não consegui esconder o meu entusiasmo. Uma festa árabe.
Depois de observar aquele cenário com interesse, retirei-me para os meus aposentos. Jantar às 20:00 e discoteca às 21:30. Ah pois. Ia-me divertir à grande e à francesa.
Hora de jantar. Faz-se ouvir um anúncio com a lista de actividades para o dia seguinte. Ida de Charrette até ao Templo de Edfú..passagem pelo mercado para compras..almoço..Ida ao Templo de Kom Ombo..Jantar e festa egípcia! “Um dia interessante”, pensei.
21:30. Procuro os meus amigos da piscina mas não os encontro. Dirijo-me para o bar com o resto da equipa. Sentamo-nos e esperamos que cheguem mais pessoas. O D.J. põe música. Pouco apelativa aos sentidos e às pernas. Mais tarde, falo um pouco com ele. Chegam mais pessoas e os meus amigos da piscina. Convenço-os a dançar. “Bora pessoal”. Um grupo de pessoas mais velhas junta-se a nós. Danço, danço e danço sem parar ao som de “Saturday Night” e outros. Durante um par de horas, esqueço-me da noite mal dormida e do sono. Sou levada pela dança de transe, que me contagia, voltando só ao quarto por volta da uma da manhã.“Great..”. Tomo um duche rápido para limpar o suor do corpo. Preparo o meu vestuário, as minhas coisas e enfio-me na cama, ciosa de algum descanso, procurando o aconchego da almofada baixa, deixando o peso, aparentemente, fino das pálpebras se sobrepôr à excitação da mente.. Roin..Roin..Zzzzzz....E assim foi.

março 19, 2006

" Laura y Javi"

"..Depende.."
Ando com umas ganas de viajar que nem vos conto nada. Antes do meu estágio, tenho de ir a algum lado, nem que seja aqui à vizinha Espanha explorar as grandes cidades - e não só -. Começo a ficar enjoada da minha rotina e já arranjei novas coisas para fazer.
Vou publicar o que escrevi sobre a minha viagem ao Egipto. Na realidade, a ideia era fazer uma espécie de relato daquela semana, uma descrição da viagem, do intimismo e de tudo o que me rodeava, com imensas sensações e descrições. Curiosamente, o Miguel Sousa Tavares teve a mesma ideia que eu e publicou o livro dele, o "Viagens", no final desse ano. Caramba, que imitador. E então, não acabei o meu projecto, só fiz metade. Mas é a metade mais dura, garanto-vos, depois com o speed todo e os dedos a funcionar, sai tudo num ápice. (E óbvio que não foi por causa do Miguelito que não fiz o resto..Olhem, faculdade..tempo..). Queria acabar esse projecto, mas receio que muitos detalhes se forem. Mas como também nunca foi suposto ser totalmente realístico..É realisticamente fictício..em pequenas descrições.
Deixo-vos a introdução e o dia 1, o dia da minha partida p lá. Duh. Óbvio, yah.
Fiquem egípciados. L.
Dia 27 de Julho de 2004, terça-feira, 11:07..Momento em que oficialmente dou início a esta descrição das minhas memórias, à descrição da viagem que mais marcou a minha vida: a ida ao Egipto. É o início de um roteiro de viagens, que não só descreve o percurso, como dá a conhecer o elo de ligação sentido com as belas terras do Nilo. Pelo menos, é essa a minha intenção. Vamos ver como sai.

Como tudo começou..
O meu fascínio pelo Egipto não é de agora, não é de jogar “Prince of Persia” ou ver “A Múmia” na televisão. Desde que me conheço, que lembro o Egipto, e toda a civilização islâmica, como sinónimo de exotismo e mistério, repleto de história e beleza cultural. As pirâmides de Gizé, consideradas como uma das sete maravilhas do mundo, sempre me aguçaram a curiosidade pela sua aparente monumentalidade e esplendor. Milhares de anos passaram e ainda surpreendem a humanidade...ou pelo menos, parte dela..
A civilização egípcia era das mais conhecidas da história humana, também a mais longínqua e o legado do rol de faraós e rainhas egípcios, era muito forte, pesado e fascinante pela monumentalidade das obras arquitectónicas e pelo misticismo que os símbolos hieróglíficos imprimiam às quentes terras antigas.Diferente da civilização em que vivia e conhecia e, após todo os incidentes terroristas e a agudização do conflito Ocidente/Oriente, a minha vontade de conhecer esse outro mundo, cresceu gradualmente. Descobri a minha paixão pela música do Médio Oriente, os sons apaixonantes, os ritmos sensuais, a beleza da dança do ventre. A imagem do pôr do sol no deserto, as felucas no rio Nilo, os camelos a caminhar, ao longe nas dunas. Tudo isto para mim, era de uma beleza sem fim.
A pouco e pouco, os meus conhecimentos sobre a religião Islâmica e a história egípcia foram aumentando. Sabia que havia uma importante deusa chamada Ísis, que os egípcios tinham uma escrita antiga, entre outras coisinhas..E sabia que segundo o Islão, o muçulmano poderia casar até com quatro mulheres. Com isto, coloquei a mim própria a questão de saber como seria tal nação que, pelo passado, deixou o património histórico e artístico que conhecemos, sendo considerada como moderna, avançada e que, pelo presente, é afectada maioritariamente pelos cinco pilares inscritos no Al-Corão, classificados por muitos de atrasados e retrógados. Eu chamo-lhes “cultura”. E não cito T. S. Eliot porque a injecção no semestre passado chegou..Mas, respeito a religião muçulmana, excepto os fundamentalismos da religião que não compreendo. Tirando isso, o Islamismo não é mais nem menos que outra qualquer religião ou modo de ser: o Catolicismo, o Protestantismo, o Ateismo, o Agnoticismo. Todas diferentes, todas iguais.
E assim, com essa curiosidade “adolescente” aguçada, o desejo tornou-se mais forte e maduro depois de ter tido aulas sobre a Arte Egípcia o semestre passado, em História da Arte.
O breve contacto com a antiga civilização egípcia, a importância do rio Nilo, fonte de fertilidade, vida mas também de morte, toda a mitologia daquele povo, suscitou-me a nostalgia de viajar pelo espaço, de viajar até ao Egipto e viver toda aquela história, aquele passado, podendo também contactar com o presente, tirar todas as dúvidas sobre os actuais dilemas da humanidade. As grandes obras de arte construídas pelos Egípcios fascinaram-me pela sua beleza e inteligência. Já imaginaram como há cerca de 4500 anos atrás, aquelas pessoas faziam as pirâmides, apenas com blocos de pedra retiradas da montanha, entre as quais, uma com quase 150 metros de altura? Impressionante. Mais do que se pode conceber ou imaginar, não é verdade?
E assim, quis partir em busca de uma viagem, que seria muito mais que isso para mim, seria uma aventura, uma experiência completamente nova, que abarcaria novas visões, novas sensações, novos contactos que me puseram com altas expectativas e sede de descoberta. Iria, enfim, saltar da sala de cinema para dentro do ecrân mágico. Entrar na tela, fazer parte das fotografias que conhecia...para mais tarde recordar.
Dia 1 17/07/2004 Sábado

Aeroporto da Portela, Lisboa


Grantur. Foi esta a operadora em quem confiei para fazer esta viagem. Talvez por o dono da agência ser amigo de um amigo do meu pai. Vale sempre um descontozito, não fica mal.
O avião partiria por volta das 14:30. Logo, abalei de casa antes do meio-dia para as formalidades. Sentia-me nervosa.. Saí do meu quarto, lentamente, lançando um último olhar longo e estranho, sabendo que quando voltasse a ali entrar, não seria mais a mesma pessoa. Senti-me transformada mesmo antes de o abandonar, quase como se, num ápice, já tivesse ido ao Egipto e voltado. E senti-me feliz, bem. Sorri, enfrentei o meu receio de embarcar nesta aventura e virei costas ao meu lar.
Chegados ao Aeroporto, notámos que havia um atraso de uma hora. 15:30. Senti um nervoso miudinho..”Já começa..começa bem!” Chegada ao Check-In (nº 26, 27 e 28), avistei um mar de gente, mais de uma centena de pessoas ali estavam nas filas, à espera para descarregar as bagagens...E, reparei, que a maioria estava na casa dos 60 anos. Nada que não previsse. Logo avistei duas presenças jovens e meti conversa, sempre é um descargo de consciência.“Ok, já conheço duas pessoas novas..ufff..”..Não que isso fizesse muita diferença, mas sempre me dava mais segurança para embarcar nesta viagem do deserto.
Fui falar com o rapaz da Grantur, o representante que lá se encontrava e perguntei a duração da viagem. Quando fiz os cálculos, percebi que iríamos chegar a Luxor – o destino – por volta das 23 horas, já que a viagem de avião duraria, aproximadamente, 5 horas. Iria haver jantar para nós no barco? A primeira confusão surgiu logo ali, sendo mais um motivo de nervosismo, conjuntamente com o atraso do voo, quando o moço respondeu que “É muito tarde para haver refeição..” Blá, blá, blá. Como se isso fosse desculpa. As refeições estavam incluídas. Da mesma forma, o jantar do 1º dia.
Ora, os meus ricos progenitores não tardaram em ter ideias preventivas para eu não passar fome, como comprar umas sandochas e umas coisitas, com um sumito a acompanhar e esconder algures nas malas. Foi o que aconteceu.
“Lara, assim não passas fome.” Esplêndido. O que seria de mim sem os meus pais? Podem cortá-lo à nascença mas o cordão umbilical nunca desaparece, qualquer que seja a idade. Nestes momentos antes da viagem, apercebi-me disso vezes sem conta. Infelizmente, durante uma semana, ele iria mesmo ser cortado. Afinal de contas, eu ia estar só a 4500 kms de distância da minha família. Não escondia um certo alívio. Ia ser um teste maravilhoso e agradável..Quer dizer, era o que eu esperava.
Almoço. Check-In feito. Comecei a confraternizar com um casal sobre a viagem. “Boa Lara..”. 14:45. Hora de embarque e de despedidas. Andei em direcção às escadas rolantes, e lá, rodei sobre mim própria, em semi cículo e acenei. Fico sempre emocionada nestas alturas, é mais forte que eu. Mesmo sendo aquele “adeus”, o início do “olá” à minha liberdade, nunca deixaria de ser um adeus.
Por fim, estava sozinha. Por meu risco e conta. “E agora?”, pensei. Agora, caminhava procurando a Sala de Embarque, passando pelos vários pontos de controlo, mostrando o passaporte e um sorriso. Ajuda sempre.
Cheguei, procurando um lugar para me sentar. Tudo cheio. Encostei-me algures, num daqueles corrimões, esperando ver aquele casal que conheci, entrar. Observava as pessoas, sentindo algum nervosismo habitual no ar. Eu própria, sozinha naquela viagem, sentia o palpitar do coração um pouco acelerado. Tudo coisas normalíssimas, não é verdade?
Tinha tudo o que precisava comigo..Quer dizer, algumas coisas estavam na minha mala de rodinhas que ia para o avião. Outras na mochila eastpak, como o protector solar, o chapéu à ceifeira, lenços de papel, óculos de sol, pensos higiénicos..É tão bom ser mulher. Na outra malinha pequenina, tinha os pertences valiosos, aqueles que se perdesse, ia ficar a beliscar-me durante várias horas. Melhor, não era eu que me beliscaria mas os meus caros progenitores, que tanto me avisaram dando o sermão da perca de objectos, dos “perdidos e achados”. Tinha que ter olhos a dobrar e atenção triplicada, para esta cabeça no ar não fazer nenhuma asneirada.
Passados 15 minutos, obeservei os meus “amigos” a chegar. Num passo alegre e apressado, como se faz no metro à hora de ponta para ir para casa, aproximei-me deles, com o visível entusiasmo estampado no rosto. Falámos brevemente de viagens, locais e até do filme dos “10 Mandamentos” que nunca vi..Pois, isto está atrasado de novo, não é verdade? Uma pessoa tem que arranjar tema de conversa, melhor, tem de conversar, para não ficar ali parado.
Finalmente, eram umas 15:40 quando a porta abriu e os passageiros começaram a dar os seus bilhetes para se dirigirem para uma nova porta de saída e descoberta: o voo 8010 da Lotus Air. Confesso que estava um pouco céptica em relação à qualidade do voo. Tinha lido na Internet umas críticas muito negativas em relação ao serviço da companhia aérea, nomeadamente, a comida. Mas nada disso aconteceu. Pelo contrário, o serviço foi bastante satisfatório e os hospedeiros eram muito simpáticos. A comida? Foi das melhores refeições que comi num avião.
Rewind. Instalámo-no no avião. Eu fiquei sentada no lugar 13d, acho eu. Mesmo por cima da asa do avião, perto de uma porta de emergência central. Ao meu lado estava um casal de senhores de meia idade, muito simpáticos, com quem estabeleci logo uma relação de um grande à vontade. Engraçado, a senhora tinha o mesmo nome da minha mãe e até me ofereceu um rebuçado. Tinham vindo pela Inatel mas, pelo que eu descobri na altura, iam ficar alojados nos mesmos sítios que eu e iam fazer exactamente o mesmo circuito. Havia várias agências envolvidas como a TuriRamos e a ClubTour mas a Grantur era a operadora, funcionava para todos. O que eu ai desconhecia é que esse casal viria a fazer parte do mesmo grupo que eu, com a mesma guia.
Rewind. 16:00. O avião descolou suavemente. Cinco horas de avião que iriam custar a passar se não tivesse que fazer. Falava durante algum tempo com o casal ao meu lado e depois, levantava-me para falar com o outro casal do Porto. Aos poucos e poucos, as pessoas formavam grupinhos, metiam conversa, perguntavam nomes e falavam de viagens passadas. Ia-se formamdo alguma coesão e, o ambiente propício para o decorrer de uma viagem sem sobressaltos e tranquila, estabelecia-se. Contudo, havia sempre uma ou duas pessoas que permaneciam isoladas..Afinal, ainda nem se tinha dado o início dessa aventura..
A metade da viagem, veio a refeição. “Chicken or Beef?” pergunta a hospedeira, naquele inglês arabesco. (Os comunicados do capitão não se tinham feito perceber. Muita gente não percebia inglês, felizmente, eu conseguia perceber metade do que eles diziam, se tivesse sorte..) Satisfeita, escolho o “Beef” e, apesar de ser um rectângulo pequenito, a comida quente, da qual saía um fio de fumo visível, era saborosa. Queijinho triângular, pãozinho pequeno e redondo, uma fatia de tarte de chocolate muito rija, sal, pimenta, açúcar: compunham a travessa alimentar. Guardei alguma dessas coisas para recordação..Nunca se sabe.
A ansiedade crescia para sair daquele avião e pisar, finalmente, depois de um dia intenso, solo egípcio. Conversei com muita gente e, especialmente, com o hospedeiro que me falou da vida egípcia e do trânsito caótico nas ruas agitadas de Cairo com os seus míseros 17 milhões de habitantes. Se formos ver bem..O que é isso?
A viagem estava perto do fim e o início desta nova vida iria começar. Aterragem muito muito boa, mal se sentiu. Esperei pelo casal do Porto para sair e, mal passei pela porta do avião, senti um bafo de calor, forte. Eram 23 horas e estavam à volta de 33 graus. Quentinho, hãn? Luxor. O aeroporto era pobre em infra-estruturas, rendia-se ao simples facto de ser uma data de tendas amontoadas com alguns aparelhos tecnológicos no interior, de uma outra era, pelo menos. Meto-me na fila para sair dali para fora. O representante da Grantur divide o enorme grupo de 140 pessoas do avião, em 4 grupos, conforme as agências. “Autocarro 4”, diz o egípcio a sorrir, depois de verificar a minha documentação. Passo por outra cabine de controle onde ouço “very beautiful”. Sorrio. Chego até ao tapete, esperando ver a minha malinha das rodinhas azul que nunca mais chegava. Ei-la, por fim. Estico-me para a ir buscar mas um egípcio, nas suas vestes escuras e sujas, chega primeiro que eu, retirando-a do tapete. Ingénua, agradeço mas logo observo o estender da mão dele perante os meus olhos, pedindo esmola. Pensei “Os gajos do livro tinham razão.” Mal tinha chegado e já pedem dinheiro. Os guias da American Express são bons, nesse aspecto já estava avisada. Não sabia é que ia acontecer tão cedo.
Despeço-me do aeroporto em direcção à camioneta 4, onde conheço a minha guia, Hanan. Este é o nome verdadeiro, o seu nome egípcio. Só que para facilitar as hostilidades, disse para nos chamar Ana. Nome simpático. Gordinha, baixinha, pachorrenta, a minha guia ia acompanhar um grupo composto, sensivelmente, por 20 e poucas pessoas, nas quais estavam três raparigas do Porto, muito amigas, com quem tomei contacto imediato, mal entrei na camioneta. Lá estaria também o casal que veio ao meu lado no avião e uma série de pessoas que iria conhecer melhor, nos dias seguintes. Engraçado, a maioria das pessoas que foram nesta viagem eram mesmo do Norte. Coincidência.
Arranca o autocarro e a guia vai falando, num português muito perceptível, das nossas actividades do dia a seguir e do levantar às 5 da manhã para tomar o pequeno almoço. Isto sabendo que já ia para a meia noite. Lindo, Lara. “Família”, era assim que a Ana nos chamava. Aliás, era “Famíiliaa”. Isto porque íamos passar uma semana juntos, íamos conhecer o Egipto juntos. Olho pela janela da camioneta, tentando conhecer e assimilar o que se passava à mnha frente. Não via muito porque a iluminação também era fraca mas..Um café com homens a fumar cachimbo de água. Pessoas a verem televisão na rua. Tudo com um ar muito pobre, muito simples, muito modesto. Via-se uma palmeira ou outra de vez em quando. Durante este trajecto de 45 minutos até ao barco, a minha casa nos próximos 4 dias, senti-me bem por finalmente estar onde ansiava há anos e, especialmente, nos últimos meses. O que via naquele exacto momento era tudo o que procurava ver: um novo mundo, longe e afastado do meu, completo e incompleto, enigmático nas suas descobertas. Estava num sítio tão diferente do meu, que me sentia outra pessoa, mais feliz. É isto.
A camioneta pára. Saímos e avisto do meu lado direito, o rio Nilo. O cais está repleto de barcos e paquetes encostados, todos em filinha indiana, à costa. Vejo, de imediato, vários polícias do turismo, de farda branca com botões dourados, espingarda ao ombro e botas pretas. “Ok, polícias e segurança não falta. Hoje não morro.” Descemos umas escadarias meio íngremes e, após um incidente com uma senhora que escorregou e torceu o pé, avistámos o nosso barquinho.
“Beau Rivage”. Eu já conhecia o nome. O rapaz do aeroporto informou-nos e também já tinha visto fotos na Internet. Mas nenhuma foto substitui o prazer de se ter algo diante dos olhos. Era uma espécie de paquete. Não era grande, mas também não era pequenino. Afinal, se alojava mais de 100 pessoas teria de ter alguns quartos. Passámos para o barco, subindo uma tábua com corrimões e à entrada, os empregados, todos vestidinhos com uma farda verde com botões dourados, iam cumprimentando as pessoas. Simpáticos com o seu “Bonsoir”, iam indicando as escadas para descer ao piso inferior, para o qual também me dirigi. Mas antes disso, desfrutei do interior do barco. Já alguém dizia que fazia lembrar o Titanic e, de facto, há um toque qualquer. Será talvez pelo tecto que tinha um vitral lindíssimo com flores e muitas cores. O chão era aos quadrados e as cores dominantes da decoração eram o verde com um vermelho morto.
Parei para apreciar o luxo do barco e pensei “Uau..é aqui que vou ficar então..”. E segui os outros, para o piso de baixo, não sabendo bem o que me esperava...
“Madame,. s’il vous plâit”. Desci as escadas. A excitação do novo e fantástico estava bem presente naquele barco. Cheguei ao piso inferior e vi uma porta, uma entrada. Ao lado havia uma inscrição a dizer qualquer coisa como “Restaurant”.
Comecei a pensar que talvez o rapaz da Grantur no aeroporto não estaria lá muito bem informado, ou talvez, ou seus superiores.
Entrei e dei por mim com um espectáculo de pratos e travessas cheias de comida, uma festa para os meus olhos e para o meu estômago. Afinal sempre havia jantar. Do lado esquerdo da entrada, estava um balcão, um “buffet” com vários tipos de pratos onde podíamos tirar o que quiséssemos e a quantidade que quiséssemos. A sala era enorme e tinha inúmeras mesas. Escolhíamos a mesa e o lugar, ficando marcados para o resto dos dias. Sentei-me com as raparigas do Porto numa mesa, onde os nossos lugares eram dois grandes e confortáveis sofás verdes com outros tons. Que confortável.
Depois de comer e cumprimentar algumas pessoas, dirigi-me à recepção, de onde me levaram ao meu quarto. 333. Número giro hãn?
Subo as escadas. Sigo o empregado que leva a minha malinha mágica com rodinhas. O corredor é estreito e comprido. O meu quarto é o último de todos. As raparigas do Porto ficam ali perto de mim. Entro no quarto e respiro de alívio, se bem que acho um desperdício ter de deitar as sandochas suplentes fora.Mas melhor assim, não é? Não correu nada mal.
Olho o quarto. As duas camas de solteiro, a televisão em cima de uma cómoda, a janela, a pequenina casa de banho.Tomo um duche demorado, pois a pressão da água é muito fraca e não aquece. Ou então, fica mesmo quente. Preparo o básico para o dia a seguir e enfio-me na cama, com um sorriso no rosto e a sede de viver uma outra vida, num outro e belo lugar..
Roinnnnn..Roinnnn..Roinnnn...
Bolas! Não consigo dormir...Eram duas e tal da manhã. Ia-me levantar antes das 5. Iria dormir tendo o barulho das máquinas a chatear-me o tempo todo?..Saí do quarto e fui até ao corredor. “Ok, o barulho lá fora é o mesmo que dentro do quarto.” Fui à janela e vi um polícia sentado à beira rio, de costas para mim. Sorri e voltei para a cama. Fechei os olhos e acomodei a cabeça à almofada baixinha..hum...
Roinnnnn..Roinnnnn..Roinnnnn..
“Caraças!!!!!”

março 18, 2006

"Pienso en sus caricias, pienso en sus miradas..l'amor que antes tu me dabas.."

"Sí, tu me gustas.."
Hoje sinto-me muito Cubana.
Não paramos de recordar aquelas duas semanas passadas a 9000 kilómetros daqui, com o seu clima tropical, as toneladas de frango às refeições e as águas transparentes que teimam em perseguir a nossa imaginação, quando queremos pensar em algo para além do banal. Num dia de chuva como este, com uma aura deveras cinzenta, não consegui deixar de ir à janela e contemplar o mar, sendo visível a diferença entre este oceano e aquele que rodeava Cuba. O verde esmeralda, o azul transparente dão lugar a um cinzento agitado, num dia de Inverno que nunca parou. Ao ver a paisagem, coloco perto do Cabo Espichel dezenas de palmeiras, uma mancha verde destaca-se no fundo do rio Tejo e vejo a areia fina, os desenhos nela, a brasa do sol que estala a pele e as longas espreguiçadeiras, as anfitriãs do turista-leigo na praia. Acordo e só vejo pequenas estradas de chuva, desenhadas diante mim, na janela da minha varanda. Um nevoeiro, um borrão no céu, um mar revoltado, lembrando as imagens dos filmes noir, onde um detective surge do nada para buscar a mulher depressivo-suicida que se quer atirar da falésia - tal como a miúda que se atirou de uma, por causa do Casting dos "Morangos com Açúcar" -.
Fiz as minhas lides domésticas e antes do almoço pus música cubana a circular pela sala. E lá voltaram as imagens que insistem em povoar as minhas pupilas. Sol, calor, a humidade, a sujidade das ruas de Havana que se estrenha na nossa pele, o cheiro a sensualidade, a sexo, a vida. Lá veio a conversa de Cuba, como se não houvesse mais destinos no mundo igualmente, ou até mais, interessantes. Como se aquela terra fosse o nosso cantinho especial, a nossa casa de campo, o nosso refúgio, o local onde todos os problemas têm uma profunda alergia. É como eu costumo dizer: "Há coisas que nos marcam para sempre e nunca mudam." Cuba não muda e as pessoas que lá conheci também não. Não as esqueço. Há alguém fundamental e é dessa pessoa que me apetece falar agora..Sim, porque aqui falo de tudo o que me vem à cabeça, é verdade.
A. Era alto, tinha cerca de 1,85. Secalhar um pouco mais. Tinha sobrancelhas fortes e bem desenhadas, um nariz fino e comprido, dois olhos de um azul intenso, profundo, fortes como o fundo do mar e um sorriso aberto e descontraído, como se não houvesse amanhã. Pestanas longas, escuras, belas. O cabelo era meio ondulado e fino, bem tratado, sedoso como cabelo de mulher, sendo as suas pontas rentes ao lóbulo da orelha, com um leve degradé. Era bastante magro, de casual style, com os seus óculos de lentes castanhas à anos 80, os calções pelo joelho largos e uma sempre t-shirt onde se desenhavam as delícias da sua simplicidade. Lembro-me dele antes de o conhecer, estava no mesmo hotel que eu em Havana e reparei nele quando estava a tomar o pequeno-almoço no hotel. Reparei no cabelo e nos dedos, compridos, tal como sempre gostei de ver num homem. Mãos bonitas, com as veias finamente delineadas e de uma elegância consternadora. Quando percebi que iríamos fazer parte do mesmo grupo do circuito para o lado oriental de Cuba, pensei que poderia ser uma oportunidade para conhecer alguém. Não nos largamos a partir desse dia. Olhares, muitas conversas de "mojito", e cumplicidade trocadas.
A minha mente estava em Cuba, definitivamente, - ou então em Espanha.. - e nunca em Portugal. Não senti saudades ou uma réstia de vontade de regressar para cá, com uma ou duas excepções..compreensíveis. Com as conversas de horas em "portunhol" com o A. cada vez me distanciava mais da minha tão chamada pátria e sentia-me uma aventureira, à procura de novos conhecimentos, em terras que mal conhecia. O que nos unia era talvez isso, o empreendorismo em nos conhecer mutuamente, de viver aquela experiência que daí a uns dias tomaria o seu fim, regressando à rotina que tanto desdenhávamos. A família do A. era muito simpática, sempre sorridentes, sempre bem dispostos. Fiquei feliz quando soube que íamos ficar no mesmo hotel em Varadero. Felizmente, não fui a única a pensar assim, também ele ficou contente.
E já descansados no calor temperamental da praia - sim, porque segundo sim, segundo não, era com cada carga..-, conversámos sob o olhar da lua, junto à piscina, ou no bar, de copo à frente, falámos das nossas experiências das relações humanas, com uma confiança inabalável, de uma aparência consternadora, de anos e anos de existência. Na realidade, só nos conhecíamos há uns dias. Éramos dois românticos desconhecidos. E daí, os desconhecidos se contemplam sobre a sombra da atmosfera afrodisíaca e se aproximam, tornam-se namorados secretos, em sintonias que são só suas e só eles as conseguem sentir, naquelas águas mornas que lhes aquecia os corações e ligavam os seus olhos, através desse fio invisível, um brilhante estímulo para os seus púlpitos únicos.
Horas na piscina, um passeio de cinco minutos - devido aos mosquitos que nos queriam comer vivos -, gargalhadas e dobragens de filmes. Nunca me vou esquecer de ti. "Larita..Larita", dizia-me ele enquanto estava prestes a adormecer ao seu lado. "Te voy lebar como uma reina". Doce A. Na véspera da sua partida para Espanha, vi que realmente era um amor de verão, mas um amor de verão que ele não queria esquecer, nem apagar, porque segundo ele, dói. E dói. Muito.

março 17, 2006

"Transpirações.."

" Ali se cruzou o meu passado com o meu futuro, sem saber onde estava o presente.."
Depeche Mode. Somebody.
Hoje tive aula de canto. Fiquei muito desmotivada, ainda no princípio da aula. Diga-se de passagem que a A. não foi lá muito justa comigo, eu nem tinha aberto a goela para nada, contudo, penso que a mudança repentina de humor da senhora, deveu-se ao facto de me pôr suficientemente preocupada para estudar umas duas horas por dia. Não sei se resulta, porque preocupada já eu estou há muito tempo. Ela diz que tudo é uma questão de trabalho..E eu pergunto: será assim? Será que podemos ser tão bons como fulano tal, que é o melhor do que faz, se trabalharmos arduamente, sem parar? Poderia um dia ser uma grande pianista, tão conhecida como a Maria João Pires, se vivesse apenas para tocar, dormir e comer? Será que conseguiria algum dia chegar à sua técnica, à sua elasticidades, à sua musicalidade, que muito dizem ser inata?..Não sei, meus amores. Mas acho que secalhar sim. Um desastrado total na música, pode deixar de o ser. A música não é só inspiração, rosas e romance, é muito mais do que isso. Aliás, posso até afirmar que tem muito pouco de lírico. É um trabalho duro e matemático, onde tudo tem de ser encaixado devidamente, notas que se amontoam, notas que temos de procurar e pensar, é um exercício mental muito desgastante. Falo por mim, que às vezes encalho em notas que não deveria. Mas sem superar as dificuldades, nada se consegue..
Hoje ia no comboio. Mar cinzento, tal como as pessoas na carruagem. Passou um pedinte, já habitual com o seu chapéu á detective. As pessoas olhavam, num misto de desdém com pena, querendo dar algo sem o poder, porque sentem que não podem, que não o devem fazer. "E nós? E os meus? E eu?". Há pessoas que tiram uns trocos e dão ao velho corcunda, de olhos azuis gastos e pera de um amarelo sujo. Cheirava mal, não deveria tomar banho há algum tempo. Olhei o homem, tive pena, como sempre. Já há algum tempo que não dou umas moedinhas a alguém que passa por mim. Já me habituei de tal forma a este tipo de situações que, geralmente, tenho a reacção fria e instantânea de ignorar, em grande parte, o que me rodeia. Viver em metrópoles, ou cidades, ou em meios populados de gente que nos é estranha, surte em nós este efeito, uma necessidade inequívoca de defesa, de isolacionismo. Choca-nos ver uma ou duas vezes, mas depois a rotina mata o sentimento de choque. De repente, é preciso algo mesmo fora do alcance da minha retina, para me poder chocar. Talvez por isso, quando voo para fora, quando alcanço outras culturas, atinjo outros estádios de vida, de espírito e, por conseguinte, de pobreza. Pobre homem. Vive assim. No fundo, se virmos bem, ele vive dos outros, vive à custa dos outros, na sua gabardina escura, na esperança de encontrar um novo remendo para as calças rasgadas ou de receber uma peça velha, com que possa usar para variar a sua estética física. Os anos passam e parece que não deixo de o ver. Há pessoas que passam anos nos comboios, à espera de algo que possa mudar as suas vidas, alguém que, sistematicamente, ignoramos, mas que, naturalmente, acaba por estar presente, fazer parte do quotidiano. Vemo-las todos os dias ali, diante de nós, como se fossem papel usado, uma peça que faz parte do cenário, algo que não nos transcende por ser natural. Mas, se deixassem de existir, algo mudaria, o décor já não era o mesmo, faltava o retoque, o pormenor que faz toda, toda a diferença. Ou seja, por mais indiferente que muitas daquelas pessoas nos possam parecer ser, elas estão como que entrenhadas no nosso ser, no ente que criamos e vivemos ao longo dos anos, ao longo da jornada da vida que, muitas vezes e pragmaticamente, só nos deixa ver o que nos apraz querer ver. L.
P.S. - É má ideia escrever no blog e falar com pessoas ao mesmo tempo no MSN, especialmente se forem de Farmácia e não tiverem mais de 21 anos.

março 15, 2006

" Água, notas e tempo.."


" É para secar, para secar.."

Muse. "Butterflies and Hurricanes". Borboletas e furacões, uma combinação do belo e do fortemente belo que a natureza tem para nos dar.
Não tenho passado uns dias maus. Por acaso, passei por algo que não queria passar há uns dias atrás, algo que me surpreendeu mesmo muito. Foi um entorpecer das pernas, até caí redonda no chão, perto do meu obelisco comprado na FIL o ano passado. Foi, deveras, incomodativo ver por terra aquelas ideias que já tinha como garantidas na minha cabeça e coração. Mas adiante. A vida segue em frente e com ela os seus obstáculos. Estes nunca hão-de parar. De aparecer, isto é.
A partir de agora tenho que intensificar as minhas idas ao ginásio, beber muita água, não abusar de porcarias..e outros pormenores interessantes que não vou referir..E também não digo o porquê, talvez um dia o suspense venha a ser deslindado, - apesar de eu achar que não há assim tanta porra de suspense quanto isso..tipo..beber água, fazer desporto.. - quando menos esperarem.
Oh, life is tough but it's so thoughly sweet. Andei à volta da pianola-faz-de-conta, a tentar produzir algo de útil..tenho tanto hora de dôr e frete pela frente, muitos exercícios técnicos, muito erro, muita muita coisa e tal. Ah e tal..(O Gato Fedorento começa dia 24 na RTP..não posso perder!) Vi umas peças, uma de Purcell, o Die Mainacht, cheirei o Undeguld e revi o Virgi, Virginum, uma das peças integrantes da obra musical Stabat Mater, do aclamado músico, Pergolesi. Não que isto vos interesse muito, aposto que 99% de vocês - isto é, se alguém chegar a ler este post porque este blog é praticamente um monólogo ou uma prova irrefutável da falta de sanidade da minha pessoa - não gostam de música clássica e também não têm a esplêndida ideia de passar uma tarde de fim de semana a ler tratado de filosofia, enquanto ouvem Mozart. Eu também não. Se ainda fosse à noite, não haveria muito mais para fazer, não é verdade?
Ai..tou aflita para ir à casa de banho. Água, é o que dá. Disseram-me agora uma frase muito interessante: "Quando deixares de querer, terás." Faz muito sentido..e muitas vezes também quando deixamos de ter uma coisa, já a queremos..ou a queremos de volta, ou percebemos aque aquela coisa é-nos essencial, mais do que alguma vez imaginávamos. Eu agora quero é ir fazer pipi, como dizem os putos. E neste caso, não há nada a fazer, tenho mesmo de ir, senão alguém cá em casa vai ficar muito lixado comigo. E se deixar de querer, há duas hipóteses: ou já fui à casa de banho, ou não tive tempo para isso. Portanto"s", com suas licenças. L.

março 13, 2006

"Crazy"

"Olha..Temos muita muita pena!!!"
Green Day. "Wake me up before september ends".
Desde que recomecei a minha actividade física no ginásio, que me sinto outra..Já recomecei as minhas afinidades, há cerca de um mês com as passadeiras, biclas, pesos pesados e barras..não de cereais, mas de metal..dakelas bem grandes e brilhantes, que seriam óptimas para utilizar numa outra circunstância qualquer.. Sangue, suor e lágrimas é o meu lema, quanto entro na sala condicionada por uma temperatura superior aos 20 graus, cheia de ritmos que se confundem, pela sua falta de sintonia, juntamente com a confusão sistemática de toalhas a roçar, gotas a pingar e uma passada de agregados de percussão: dois passos alternados com um revirar de braço. Tudo com a base da música de dança, por excelência, claro. Enquanto as pernas se arrastam através de um passeio que é sempre o mesmo, onde a passagem é a mesma, a mente vagueia - como sempre - para toda a espécie e género de sítios inóspitos, circulando como uma mosca no deserto, sempre atenta, sempre em frente. Sempre em frente. (Ou talvez não porque não sei se há moscas sequer no deserto - esta é já a minha fase estúpido-criativa ao vir de cima).
O que mais me cativa são as senhoras da faixa etária dos 50 e poucoas, que vão para o tapete andar, mais apressadamente, rindo, comunicando nas suas vozes fininhas e quase imperceptíveis. Às vezes, penso que não falam mas que guincham, emitem grunhidos em que ocorre a aparição de fonemas, cuja junção, forma um sentido familiar. Mas muitas vezes sem saber qual é. Que senhoras elegantes e simpáticas. Deveras. (Não tou a ser irónica, não chateiem..)
E o que dizer mais? Vou estagiar em Julho..até lá vou ouvir músicar, escrever, fazer o que mais gosto e empenhar-me nisso mesmo. Quero conhecer, sair, passear, reflectir sobre as coisas, de uma forma saudável, e pensar em mim. Desta vez, penso mesmo em mim, e nas pessoas que são importantes para mim e vice versa. Não há lugar para..o passado. Já foi.
"É um fim de um ciclo: só faz falta quem fica!"

março 04, 2006

"As certas incertezas da vida.."

" The place I wanted to go, but didn't dare to.."
Uau. Voltei ao blog.
Às vezes tenho a minha cabeça a mil. Não sei como descrever aquilo que sinto ou o que vejo..secalhar, é mais isso..Já o I. me dizia isso há coisa de um par de dias, descrevendo-me como um turbilhão de emoções. Às vezes até gostava de ser calculista, mas como se organizam e calculam emoções? Não consigo.
Tenho andado desaparecida em combate..pode-se dizer que sim. As aulas na universidade - felizmente - acabaram. Não acabei o curso em alta, tive um 11 neste semestre, o que é péssimo, porque foi a pior nota do curso e isso nunca levanta a nossa moral, não é verdade?
Juan Luis Guerra "Borbujas de Amor".
Não sei porque me pus a ouvir isto, mas sei que me lembrei de acontecimentos passados há um ano atrás, mais coisa menos coisa. Massas, apetite, restaurante, olhares, sotaque latino. Uma troca de palavras, gestos furtados e números dados. Alfornelos. Uma dança pelo corredor, um aperto de cabeças, duas cinturas roçadas, palavras gastas e respirações cambiadas. Um slow, um beijo, uma música. "Borbujas de Amor". Exacto..Uma carícia e mil desejos trocados, com beijos que não se definiam pela sua..dúvida. Um balançar, um suspiro, um túnel de calor sentido.
É impressionante como uma música que possa ter revelado qualquer coisa de insignficante num casul momento, tempos passados, já representa uma memória específica, bem segura e certa no espaço e no tempo. Não ouvimos metade do que vivemos, nem vemos mais de metade do que vemos. Mal observamos, apenas olhamos e escutamos. Mas não ouvimos. E. inesperadamente, aquele relâmpago cronológico surge, com uma vitalidade e uma côr e imagem, nunca tão níticas. Nada foi tão explícito na nossa cabeça, como naquele preciso momento em que vemos as cores da roupa, ou a forma como o cabelo estava, sentimos o calor do espaço e o aroma que bailava pelas correntes de ar que perfumavam os espaços desconhecidos daquele único momento. Secalhar a minha cabeça funciona assim, faz flahs. Pequenos analepses, recuos temporais em que todos os pormenores perseguem o meu inconsciente. Deve ser por isso que tenho sonhos tão intensos, nos quais, basicamente, mergulho..e de cabeça.
Acabou a escola. Acabou a vida de estudante. Acabou a boa vida passada na fnac a ver livros, ouvir discos, mirar os gajos a passar e as aventuras de "lisboa viva", com uns simples headphones de 9 euros aos ouvidos. Mas também acabou o pesadelo "cabras menstruadas" e as competições extremistas. As viagens ao viajar são apenas minhas mas posso-vos dizer: são esplândidas e infinitas, viajo por onde quero, até onde quero e vejo-me numa dimensão onde todos os desconhecidos, desse micro segundo que gasto a apressar-me pela escadaria fugaz do metropolitano, têm um papel e um objectivo. "Agora segue em frente, miúda.." É a frase que ouço, num ritmo regular, mas com uma indeferença que simplesmente não consigo controlar. Secalhar é a parte do miúda que me soa a estranho. Não sei..Há quase dois meses que acabaram as aulas e a cada dia que passa, estou mais perto do choque com o mundo real. E que choque vai ser. Quero estar preparada para tudo e digo-vos, terei que ser muito dura comigo própria. Estamos num mundo injusto e cruel, vejo isso todos os dias. Não se pode ter pena de ninguém..e muito menos de nós próprios.
Apesar do tempo ter passado e muitas coisas mudarem nas nossas vidas, há verdades ditas universais, no nosso íntimo. Há muita gente que perco, muita gente que amo e adoro. E apesar da distância, por motivos de defesa, de orgulho - do que lhe queiram chamar, porque cada um tem uma teoria diferente - essas pessoas..nunca as esqueço. Nunca. E tenho algumas pessoas guardadas no meu disco rígido, que nunca vou conseguir apagar. Mesmo havendo um vírus que possa apagar toda a informação, não há nada em mim que me faça querer livrar dessas pessoas. Mesmo não estando presentes fisicamente, estão sempre comigo em memória..E já chega. Next page.
Fui a vários castings..hoje fui a um de publicidade. Acho que sei o que quero de mim, o problema é lá chegar, quando há pessoas que pisam, deliberadamente, em outras. Viva o factor "C"! Viva o artifício da vida moderna, em que nada se cria, tudo se reconstrói.
E tenho dito.