outubro 06, 2006

A vida num segundo (II)

O comboio estava a chegar. Não sabia quanto, mas estava realmente atrasada. Furou as pessoas inertes que miravam as janelas fumadas do trem e procurou uma escapatória possível daquela realidade, realmente, desagradável. Escapando daquela cárcere quotidiana, enfiou-se naquela ilha que a levaria à sua vida académica. "É outra prisão". Raquel observava aqueles seres, escondida nos seus fios de cabelo, espalhados pelos ombros firmes. Protegida, debaixo dos cabelos lisos castanhos, os olhos rasgados de tez de avelã perscrutavam os pensamentos daqueles desconhecidos que a assombravam. "É uma prisão mas uma boa prisão, que nos esconde, nos protege da vida lá fora", pensou, quando conseguiu ver um pedaço do mar através da janela de vidro baça.
De pé, os livros pesavam nos braços e o casaco no corpo. Raquel olhava a luz, a vida, enquanto os decibéis lhe entravam pelos ouvidos a dentro, proporcionando-lhe sentimentos ricos e confusos. De phones pretos, nos ouvidos, a rapariga dos "Puma" azuis levava nos olhos vivos, a tenacidade de quem procura uma descoberta após descoberta. Naquele pré-momento de canetas, papéis e atenção redobrada atrás de uma secretária, Raquel vivia na terra, com pensamentos dispersos nas emoções que sentia.