maio 14, 2006

"Vodka, Fitas e Chop Chop"

" Nirwana??.."
Original of the species.
Que fim de semana. Recordações, vaidade e farra. A mistura ideal para quem sofre de desejos crónicos não consumidos..ou seja, eu. É bom desejar, querer coisas com muito ênfase, digamos e quanto mais depressa consumirmos coisas, quanto mais depressa as temos, mais as absorvemos, mas menos as saboreamos. É a chamada febre da loucura e não se pára. Quanto mais se dorme, mais se quer dormir; quanto mais se bebe, mais nos apetece beber; quanto mais dançamos numa pista cheia de gays, mais nos apetece rodopiar, com uma data de luzes vidradas a bater nas nossas pupilas e uma música ensurdecedora, a faísca que anuncia a fronteira para um mundo nostálgico.
Voltei a encontrar as minhas únicas amigas que fiz na faculdade. Secalhar até fiz mais amigas, pessoas com quem possa, realmente, contar e falar, sem ter que levar com certas e determinadas represálias inesperadas. Mas aquelas duas raparigas foram as minhas verdadeiras colegas e amigas, no sentido literal do termo, que encontrei naquele mundo cão da universidade. O resto são cascas, como alguém costumava dizer. Para além de sermos colegas, tornámo-nos companheiras nos trabalhos de grupo e para tudo o resto, e com o tempo a passar, apeguei-me a elas e entendi, mais do que isso, que sentiam o mesmo por mim. Apesar das minhas incessantes dúvidas em longos e difíceis momentos da minha vida: académica e pessoal. Foram 4 anos e meios com muitas histórias, umas loucas, outras nada loucas - como tal é de se esperar de uma boa aluna universitária - , mas o que realmente é importante dizer é que me ajudaram quando mais ninguém o quis. E isso não vou esquecer nunca. Straight from the heart. Lamechas, e tal, piegas e tal..Mas hey..eu sou assim. E gosto.
S. e S. Combinámos na Avenida da Igreja e foi lá que acontecu o almoço num simpático e deserto restaurante chinês. Pois. Canibalismo? Não sei, nem quis dizer. Já não comia comida chinesa - ou a "ocidentalização" de tal coisa - há uns tempos e gosto. Se como homem, mulher, cão ou vaca, já me chega a ser um pouco indiferente..Desde que me saiba bem, é o importante reter, não? Quando comi crocodilo em Cuba, tava-me a cagar se aquilo era crocodilo ou não. Comi e gostei. Na realidade pareceu-me carne de vitela branca e, portantos, como podem calcular, não me fez qualquer tipo ou espécie de confusão. Aqui c'est le meme chose (para os galicistas fanáticos, peço as maiores e mais sinceras desculpas se cometi alguma gafe) e entrei sem reservas, nuns médios saltos, de cabelo escorrido e top descaído. Devo dizer, abonequei-me muito nesse dia. Demasiado para o que costumo fazer.
Fitas, descrição, timidez. Mesmo gostanto muito delas, tive de assinar as fitas para a benção, o que me fez ficar à parte durante imenso tempo e também me senti meio retraída, talvez por elas serem moças muito às direitas e eu ser mais dada às esquerdas, de preferência, com uma bela música de fundo e uma conversa descontraída sem grandes formalidades. Falámos, ouvi as novidades e dei as minhas - que diga-se de passagem, neste momento, ainda não há muitas para dar -. Dei a minha dose de carinho naquelas fitas. Meninas, meninas, que saudades. Fiquei com pena quando nos despedimos. Lá está, é o sentimento de nostalgia que me invade. Secalhar agora só as vejo daqui a uns dois meses. E tivemos anos e anos juntas, lado a lado, durante horas, caladas ou a palrar, sem saber que, inconscientemente, o conhecimento mútuo crescia, gradualmente, a cada segundo passado.
Bairro Alto. Música, agitação, calor, bebidas e tabaco. E?..Cenas para um próximo capítulo.

maio 10, 2006

"..Et exultavit.."

Voltei a cantar hoje. Depois de umas semanas afectada, por causa de uma laringite, decidi fazer uns vocalizos, pegar nas partituras e partir no comboio, que já está muito, muito atrasado. Bem, o resultado não foi dos melhores, mas também a falta de estudo e de trabalho só implica este tipo de consequências.. E como tive inválida..melhores dias virão.
Deixo-vos o meu Dia 4, da viagem ao Egipto..e aproveito para informar que estou a escrever o Dia 5..sai a passo de caracol, mas saí e em breve, espero eu, está concluído..

Dia 4 20/07/2004 Terça-Feira

Assuão

No dia a seguir acordei como sempre, cansada, com o corpo todo trucidado, como se tivesse passado a noite numa luta desgarrada com o sono, querendo parar a música irritante do despertador. 6:45. Tinha voltado a dormir umas cinco horas e meia, o cansaço ia-se acumulando mas ainda não se tinha apoderado do meu organismo o suficiente para me tirar o entusiasmo. Afinal de contas, tinha muito tempo depois para estagnar até fazer morrer os pensamentos.
Levantei-me. Bocejava, olhava para o quarto sem, no entanto, conseguir ver a confusão de peças de roupa já usadas, no dia anterior, amontoadas, pousadas na cama ao lado. A confusão do quarto já existia desde que tinha saído do 211 para o jantar da noite anterior e lá estava, composta pelos meus véus como se fossem maltrapilhos para o lixo, a toalha do banho em cima da cama, a mala das rodinhas aberta como se tivesse sido agitada em trapézios de circo, a saia, os lenços, os óculos de sol espalhados na colcha da cama. Depois de desperta, pronta para sair no meu visual branco, reparei que teria de reservar algum do meu tempo para arrumar condignamente aquele quarto. Afinal este era o meu último dia a bordo do “Beau Rivage”, no dia a seguir rumaria para o Cairo e teria de caber tudo na minha mala. Parecia inimaginável, confesso.
A rotina já se tinha instalado e, lentamente, tinha-me habituado à chave defeituosa do 211, à música ambiente da ala dos quartos, à prematura vida matinal no barco, recheada de uma musicalidade francesa e de uma mordomia irritante, onde cada empregado nos saudava e servia na melhor das excelências. A rotina do pequeno-almoço, a rotina das visitas, das viagens de camioneta até um determinado local arqueológico, a rotina da guia que se tornou uma presença obrigatória, a rotina do calor, a rotina da comida, que jamais nem nunca me fez mal, a rotina do cheiro daquela terra, a rotina da presença do Nilo, a rotina da língua árabe, a rotina da especiaria, a rotina de estar de férias no Egipto. Nada me perturbava. Tudo me maravilhava.
Após uma ligeira refeição na imensa sala de refeições na cave, um dia estava prestes a iniciar-se, um último dia no barco, um último dia antes de chegar ao limiar da metade da minha calma aventura pelas inefáveis terras do Nilo.
8:00. Partimos. Sentei-me, confortavelmente, na parte traseira do nosso veículo, rumo à grandiosa barragem do Assuão. Mirabulando, reflectindo sobre aquele país, ouvia Ana que explicava, no seu português enrolado, explicações sobre a história da barragem do Assusão, considerada por muitos prejudicial à fertilidade dos campos e responsável pelo visível desvanecer do outrora largo e dinâmico rio Nilo, símbolo da vida e das forças que guiavam os antigos egípcios na suas vidas. O autocarro ia, aos solavancos habituais, pelas velhas estradas de alcatrão da cidade, semelhantes a carreiras de uma civilização rural em estado avançado de extinção, onde a pobreza, apontada pela assimetria visual e física, se encontrava mais camuflada com pequenos espaços verdes, pelo bonito edifício de uma estação de televisão egípcia, pelo rosado “Old Cataract Hotel”, no qual Agatha Cristhie escreveu “A Morte no Nilo, e por uma minoria de edifícios circundantes de vedações ajardinadas, pequenos arbustos enganadores de bem estar e uma frescura viva em cada alicerce exposto.
Demos voltas à cidade, durante uns vinte minutos, sempre com a voz de Ana a servir de acompanhamento, voz que se tornara ruído, fragmentos de sons distorcidos onde o vago de “Nasser”, “velha barragem dos ingleses”, “grande barragem”, “papiro” e “perfumes” ecoavam na minha mente, de cinco em cinco minutos, como um sussurro repetitivo, acompanhando a analogia da paisagem, conjugado nos saltitares de um autocarro exposto a um calor precoce e limpo. Distraí-me, apenas olhei para a simplicidade das pessoas, tapadas pelas túnicas, bordadas, escuras e protectoras de um sol ardente, para as crianças sujas, descalças, de cigarro na mão. Observei que as pessoas eram mais escuras e com olhos claros, o que fazia daquele povo do já Alto Egipto uma aproximação à África negra, à África do Sudão, país a sul dali, sendo também a presença do povo Núbio, autónomo mas não independente da República Islâmica do Egipto, com a sua beleza negra e mista, um reforçar para que a fisionomia do povo daquela cidade se destacasse em relação a tudo o que tinha constantado anteriormente. O superficial lago Nasser encontrava-se diante dos nossos olhos, construído décadas antes com os seus 500 kilómetros quadrados de extensão, num fio de azul sossegado e direito, morto, plástico, parado, irreal, numa morbidez e aridez, num espaço sujo, descolorido, “desverdejante” que ignorava a beleza do Nilo, representando sob o meu crítico e firme olhar o chamamento para um espaço e tempo remotos, fugazes ao meu desejo.
Parámos na Grande Barragem do Assuão, com quatro metros de espessura, cento e onze de altura e novecentos e oitenta de largura na base. Erguida para regular o fluxo do rio Nilo., a Grande Barragem do Assuão revela o apoio indiscutível da União Sociética nesta obra, o chamado “alto dique” de Assuão.
Teríamos cerca de cinco minutos para ver o lago, a seca paisagem e tirar fotos. O dia seria longo, muitas coisas nos esperavam e não me cansei em pedir para me tirarem fotos, numa boa disposição aberta e espontânea. Escusado será dizer que também tive de tirar fotos. “Não há almoços grátis..”. Já eram nove da manhã, e embora o calor estivesse longe de atingir o seu clímax, sentia a boca seca e a mochila vazia por não ter uma provisão. Dirigi-me a um quiosque perto e, com uma grande e fresca garrafa de água “Baraka”, decidi abastecer-me por entre o abafado ar que consumia as nossas energias. Avistei do outro lado um enorme templo egípcio, segundo Ana, o Templo de Kalabasha, construído já na era romana, na qual o Egipto foi ocupado e governado por romanos.
“Famiiiliiaaa”. Ana e o lenço de padrão laranja num ponteiro, agitado com fervor. No meu visual claro, vislumbrei o cenário com atenção e ingressei no autocarro, num lugar traseiro perto do grupo que me acompanhava a cada refeição, neste novo dia-a-dia.
O infinito lago Nasser me surpreendera pela sua imensidão e vastidão, como se fosse uma mancha, uma nódoa no deserto, mas não me fascinara com a sua uniformidade e unicidade, apenas me colocara espantada perante tal infinidade de água, não um elo de dinamismo egípcio mas uma metáfora de algo inerte, inútil, incapaz de igualar todo o passado vivo em casa esquina. Á medida que dialogava com os meus companheiros e o autocarro avançava, Ana ria-se de microfone ligado, começando a discursar sobre o Tenplo de Philae, dedicado à conhecida deusa Isís, seu centro de culto, construído originalmente na Ilha de Philae, ali no Assuão. Correndo risco de submersão, deu-se a transladação do monumento para a Ilha de Agilika, transformada para se assemelhar ao local original de construção do grande templo.
9:30. O autocarro pára, coloco os óculos de col, ponho na cabeça o chapéu de ganga, ícone da mulher ceifeira, levo as malinhas comigo e parto. Num segundo, homens de túnicas distinas e diferentes nos bloqueam o caminho, uma rampa descendente, com as suas estátuas, postais desdobráveis, tentando apelar-nos com o Figo ou o Cristiano Ronaldo. Ana dá um bilhete a cada um do seu grupo afilhado e seguimos viagem até ao cais.
Talvez pelo grande fluxo de turistas, os nativos ali se encontravam, sentados na lateralidade daquela modesta avenida até à água, com os seus artefactos e obras de arte, as suas pirâmides e camelos de madeira, sempre dispostos a fornecer um sorriso gratuito, esfumante e sujo, por entre gengivas escuras e esquecidas algures no tempo.
Finalmente entrámos no barquito de madeira, cuja pintura branca e colorida escamava, devido ao uso diário e intenso, repetível e mecânico. Sentada a uma ponta, sob a sombra do terraço, vejo o jovem egípcio, de uma pele muito escura e olhos verdes, de uma beleza abismal, a largar o transporte do cais, desapertando uma forte corda, desfazendo o grande nó. Olho à minha volta e dou-me conta das dezenas de barcos ali presentes, decorando também o local os pequenos aglomerados verdejantes distantes, pontuais e pouco profundos. Vejo casas.
“Prrrrrrr”. O motor arranca, o barco inicia a sua trajectória e miro as casas coloridas na encosta, as casas inacabadas, o cinzento abundante e, mais uma vez, a roupa estendida que fornece um simples modo de existência humana naquele espaço desorganizado e caótico, tão perto de uma centena de vidas ocidentais e desgarridas de côr. Deixo a paisagem traseira do barco, viro-me para a direcção efectuada e vislumbro, a uns cem metros dali as paredes do Templo de Isís, com os seus baixos relevos, figuras humanas e divinas, hieróglifos e zoomorfismos.
A pequena ilha pareceu-me uma visão, com a beleza das paredes erguidas, a água lisa e dormente à sua volta, a vegetação floral, deífica e um amontoado de pedregulhos de naturalidade aparente, indiscutível. Esqueci as toneladas cimentadas e gigantescas da Grande Barragem e voltei anos atrás no tempo, imaginei as côres, as roupas, os cheiros e a realização de rituais, assombrados por velas, instrumentos e túnicas puras.
Chegámos. O calor começa a apertar e bebo quase metade da minha “Baraka”.
Uma multidão de cabeças circulava pelas várias áreas do Templo, onde guias de várias nacionalidades e côres explicavam as origens do templos, os relevos das imponentes paredes edificadas, as figuras de Isís e as suas asas protectoras de ouro, revelando o símbolo da vida: o “anj”. Sendo um legado do Antigo Egipto, dos complexos artísticos mais bem conservados, os capitéis papiroforme e Hatorianos, com a cabeça da deusa Hátor, encantavam o grupo com a sua perfeição, perante o sol abrasador que humedecia a pele facial. Seguia Ana, tirava fotos e ouvia as suas breves explicações, afirmações que se tinham tornado clichés: “O tecto caió pur causaa de terramoto acôntecidu nu ano di venti sete antess di cristu”. Querida Ana. Nem se apercebia da quantidade de vezes que dizia as mesmas frases. O seu discurso parecia tão mecânico, tão sabido, tão interiorizado que as pupilas não tinham expressão, as palavras fluíam, por vezes, sem uma intenção ou um significado. Mas cada um de nós entendia o que ela dizia..Bem, mesmo quando dizia “borrar” em vez de “apagar” e “cucarachas” em vez de “baratas”. “A genti sabe..”, “a deusa Hátor, deusa da música, da arte e de todas essas coisas muito bonitas” e “estes capiteís que andam pur aqui” tornavam-se já expressões-chaves das suas explicações, motes linguísticos, dicas para iniciar qualquer facto ou relevo histórico, enquadrados naquelas pedras milenares.
Eram quase 11:30. Depois de ver aquela paisagem e disfrutar do encanto mágico daquele paraíso cultural, voltámos ao barco protegido para ter com um motorista qualquer, cuja cara era semelhante a um árabe qualquer: complexão facial morena e um belo bigode farfalhudo.
Próximo destino: o Instituto do Papiro em Assuão. Iríamos visitar um sítio onde se vendia papiro verdadeiro (e não o falso que se via nas ruas, nas mãos dos comerciantes), se fazia demonstrações das várias etapas do processo de produção da folha de papiro e, consequentemente e logicamente, poder-se-ia comprar folhas de papiro. Já conseguia imaginar o meu quarto com uma bela moldura, com um magnífico papiro na parede..”Famiiiliaa!Vamos!”. Acorda Lara. Deixei o dispensável na camioneta e lá fui, seguindo a guia e os meus compinchas para o interior do edifício.
Todo o grupo que habitava o “Beau Rivage” comigo, tinha vindo no mesmo avião comigo. Éramos cento e quarenta pessoas ao todo mas dez dessas pessoas foram para um cruzeiro de escalão inferior, de quatro estrelas, que, digamos com toda a frontalidade, não tinha comparação com o belo navio “Titânico”. Das restantes cento e trinta pessoas fez-se uma divisão, ou seja, as cento e trinta pessoas estão divididas e distribuídas pelos quatro guias, Ana, Aziz, Benji e Ali, que funcionam como tutores nestas jornadas, cada um com uma bandeira portuguesa, um lenço ou uma cantiga. Para que o programa funcione bem, os quatro grupos não podem ir aos mesmos sítios, ao mesmo tempo. Portanto, quando cheguei à porta do Instituto do Papiro, alguns companheiros já lá estavam, outros iam a sair com grandes cilindros em sacos de plástico, outros estariam noutro sítio qualquer a fazer algo...interessante, espero eu.
Já passava do meio-dia, o sol estava alto e no pico da sua luz, criando algum choque à entrada no edifício escuro, onde a visão demorou algum tempo a adaptar-se com o objectivo de poder distinguir as formas, as linhas, as côres. Desci umas escadas, segui as raparigas do Porto até nos confrontarmos com uma sala relativamente grande, recheada de molduras, expondo dezenas e dezenas de folhas de papiro nas paredes. Mesmo do lado direito das escadas havia um balcão grande, com três ou quatro funcionários, recebendo talões de clientes, pegando em folhas de papiros, enrolando--as e encaixando-as em fortes cilindros de papelão, forrados com imagens conhecidas da antiga cultura egípcia. O ritmo era veloz e certo, os sons difusos e distintos: vozes num árabe audível, num volume perceptível, papéis rasgantes, batidas agudas e fortes. Olhei em redor. Perdi-me um pouco, uma vez mais, no característico ambiente do Médio Oriente, onde a desorganização é uma regra certeira.
“Pum.” A batida. É uma demonstração da criação do papel de papiro, feita com o corte da flôr de papiro. Ana chama-nos e aproxima-nos do senhor que, num espanhol apressado e trapalhão, exemplifica para uma vintena de pessoas todo o processo manual e mecânico. A gordinha e fofinha Ana dá sinal para aguardarmos e diz: “Este senhor naum sabi português, mas fala espanhole e vaii explicá o fabricu da fôlha de papiru para vôcêss.” Assim aconteceu. De uma flôr de papiro, o hábil egípcio corta o caule em tirinhas miudinhas, coloca-as num engenho que as esmaga e alisa. O espanhol deste fabricante de folhas de papiro era rápido, circulando à velocidade de um comboio alfa. Só que tinha problemas nos travões. “E assi...bla bla..lo papiro es..bla bla bla”. O ruído naquele ambiente era elevado e a dada altura concentrei-me, unicamente, naquilo que fazia. Passados alguns dias das tiras de papiro ficarem de repouso, extraindo-se o sumo e alisando-se, já é possível tirá-las e formar uma folha de papiro à medida das nossas necessidades. Coloca-se uma tira na vertical, utiliza-se um rolo para ficar completamente direita, de seguida coloca-se outra tira na horizontal, ficando uma das extremidades por cima da ponta da tira que já tinha sido esticada. E assim, neste processo alternado de horizontal/vertical, colocam-se as tirinhas do caule do papiro, até aparecer uma folha fina, mas muito resistente, diante dos nossos olhos. Fico impressionada com a inteligência e modernização dos egípcios que, há milhares de anos, criaram as folhas de papel mais resistentes do mundo.
Teríamos todo o tempo para inspeccionar a sala e comprar folhas de papiro ao nosso gosto. No início, estava junto das três moças de sotaque breijeiro e nortenho, mas elas fugiram em rebanho para áreas longínquas, interpelando Ana em algumas vezes, noutras fazendo contas com uma caneta e um papelinho cheio de regras de três simples. “7 libras egípcias é um euro mais ou menos..Entaum 100 seraum..”. Parava diante de cada quadro exposto na parede e admirava-me com cada curva, só que os preços muitas vezes podiam servir como dados de repulsa activa no momento, contrabalançando com a beleza de dezenas de papiros, de vários tamanhos, pintados à mão, com formas, desenhos, mitologias, cores ricas e vivamente desenhadas.
“Alô Madame.” Um jovem funcionário surge. No Egipto não se conseguia ficar muito tempo sozinha, numa pose contemplativa e intelectual. Aliás, quase que diria que isso é um gesto anti-muçulmano, na medida em que naquele mundo onde me encontrava, a preocupação fundamental era saber se havia dinheiro para alguma comida até ao final do dia. Os intelectualismos e reflexões tinham apenas lugar no instinto de sobrevivência daquele povo, que dependia de trocos de turistas e de colecções de quinze marcadores de papiro falso, vendidas na rua em troca de um euro. Depressa senti-me com remorsos por desejar que o rapaz me virasse costas. Mas ele falava, falava e falava. A minha postura de ocidental, naquele instante, tornava-se uma realidade, mas minutos depois, tendo já dado alguns passeios à volta do recinto, entendi a sua necessidade de vender, de ganhar dinheiro e, por conseguinte, de estar ali. Decidi enfrentar o desafio de falar com um egípcio que não entendia inglês, nem era capaz de comunicar assim, fluentemente, abordando-o da melhor forma possível, utilizando aquilo que podia. A cada papiro que via, ele explicava qualquer coisa. Eu não entendia nada. “Sim, o quadro..the picture..o que representa? De que trata? Di que parle it-il?”. O meu francês tinha ficado muito enferrujado, especialmente depois daquele ano fatídico de 1996, quando o meu pai foi parar a um hospital algures na França, depois de termos ido a Paris e, como ninguém falava inglês no hospital, vi-me obrigada a exercitar os meus conhecimentos da área para conseguir interagir. Felizmente, havia um médico no hospital que falava inglês e conversou comigo. Mas desde aí que o francês foi para uma gaveta da arrecadação apoeirada e, agora, via-me forçada a utilizar uma imaginação poliglota, falando “línguas mixes”, sentindo-me uma mulher de quase um metro e oitenta a tentar ser idiota (a tentar falar muitas línguas), acabando por me sentir uma idiota total por não estar a ser consistente o suficiente para ser clara e óbvia. A ocupação francesa em África teve as suas consequências: a maioria da população egípcia, para além do árabe local, manejam razoavelmente o francês, servindo de arma para atrair turistas.
Tutankhamon, a deusa Maat e a representação do Mito da Criação, Nefertiti e o seu elegante pescoço, a deusa Isís com Hórus e Osíris, a astrologia egípcia: todos estes temas eram representadas nos papiros, sem fim. Fiquei fascinada com uma pintura de Nefertiti, cujo fundo era preto e a formosa imagem da cara da mítica mulher emergia, como se estivesse num dia de escuridão, brumas e sombras. Diferente de todas as outras imagens, decidi levar aquela e comuniquei a decisão ao rapaz. Ele informou-me logo que se comprasse cinco papiros, poderia levar outro. Foi isso o que aconteceu. Havia tanto papiro bonito, que escolhi cinco: a imagem de Nefertiti; a representação do olho de Hórus; a representação do mito da deusa Maat, a equilibrar o mundo, a deusa Nut, o símbolo do céu, a noite que surge depois de ter engolido o dia, conjuntamente com Geb, a terra; a chegada do defunto ao julgamento feito por Osíris, onde será pesado o seu coração, testando a sua leveza com uma pena; uma imagem da cabeça de Tutankhamon. O rapaz perguntou que papiro queria levar e apontei para uma moldura na qual se podia-se Nefertari e Isís juntas, de mão dada: Isís, com o disco solar e Nefertari, com as vestes soberbas do Império Novo.
Com a calculadora na mão, fazendo contas rápidas, o moço, talvez mais novo que eu, estendeu uma factura com o preço de cada papiro e com o total. Bem, no final de contas, o que são cinquenta euros quando se trata de papiro feito e comprado, in loco, no coração do Egipto?
13:15. Voltámos para a camioneta. Ainda nos esperava um sítio antes do bem merecido almoço no “Beau Rivage”. Acabei por voltar à rua para dar um euro a um rapaz de magra estatura, em troca de quinze marcadores de papiro falso, com imagens alusivas à mitologia e com símbolos hieroglíficos. No interior da camioneta havia uma arca com garrafas de água fresquinhas e por euro e meio, arranjava-se uma. Dei o dinheiro ao motorista de face inflexível e tirei uma garrafa. O calor do Alto Egipto era forte e quanto mais se descia no mapa, de mais água o organismo necessitava para a sua auto regulação.
“A genti sabi que os egípcios antigus, gostavam de perfumes e vamos cheirá agora uu Jasmin, a flôre de Lótus e outras côsas.” O português, único, de Ana. Sorria enquanto a ouvia. Daí a minutos estaríamos no “El Sultan”, um antigo palácio em Assuão que agora vendia perfumes, frasquinhos de vidro para as essências e outas coisas: era o “perfumes palace”, o “perfumes e companhia” da zona.
Chegámos. Um grupo de homens estava cá fora, numa espécie de varanda antes de se entrar no edifício antigo e de dimensões generosas. Todos de camisa branca, riram e exclamaram quando o nosso grupo passou diante dos seus olhares negros. Depois de subirmos umas escadas externas, que nos deram acesso ao andar superior da casa, acedemos a uma sala interior, com tapetes islâmicos e armários antigos com vitrinas cheias de frascos de perfume, centenas de frascos, de dimensões e côres diversas, organizadinhos em filinhas, na sua forma feminina e arredondada. Havia um aroma forte no ar, bastante familiar. Será que os egípcios tinham assaltado o Calvin Klein? Ana explica que teremos um guia, uma vez mais, fazendo uso do espanhol, para nos explicar todas as maravilhas daqueles cheiros desconhecidos.
Um rapaz alto, bonito e elegante, surge na sala. E é aí que nos sentamos nas cadeiras próximas dele. Na verdade, foi a indicação que ele nos deu...e a tempo, porque se a cadeira não estivesse lá perto, eu poderia ter caído no chão. Foi o homem mais lindo que até então tinha visto no Egipto e, certamente, dos que já tinha visto na minha vida e dos que alguma vez iria ver. Devendo ultrapassar o metro e oitenta, usava uma camisa branca semi aberta, umas calças pretas de poliester e um cinto castanho, de pele falsa, apertado na cintura baixa. Formoso e proporcional, o guia tinha o cabelo de um preto muito escuro, quase arroxeado, meio avolumado, as feições bem desenhadas e perfeitas com duas sobrancelhas firmes e grossas, dois olhos com pestanas compridas e ricas, um nariz comprido e esguio, bonito. Os lábios carnudos, as mãos firmes e grandes, de tons escuros e veias desenhadas, davam-lhe um ar muito atraente, em conjunto com a sua postura, os gestos, o tom de voz grave e sensual. Não fui só eu que me deixei levar pelo sorriso branco e limpo daquele homem perfeito, também outras mulheres comentaram a formosura daquele príncipe das arábias, agora posicionado do meu lado esquerdo, alto como um deus num pedestal.
Foi interessante perceber que os antigo egípcios foram os mentores dos perfumes, muito antes dos fraceses que, em noventa por cento dos perfumes e aromas base, vão às fragâncias egípcias roubar a base para esse negócio milionário. Daí, aquele aroma ser-me tão familiar. As grandes marcas internacionais de perfumes têm como base os extractos das flores da terra mágica do egipto, marcas como a Kenzo ou a Cacharel. De facto, cheirei algumas essências e vinha-me logo à cabeça o meu perfume, na maioria das ocasiões, “Flowers” da Kenzo. Jasmín e Lótus são as conhecidas e famosas essências de flores de perfume que cheirámos, com curiosidade, sendo demonstrado que uma só gota destes perfumes provoca um odor activo e forte, um efeito que muitas mulheres procuram evitar.
Das misturas destas essências, foram criados vários perfumes como o “Tu-nkh-Amon”, praticamente o mesmo cheiro que o “Dracoir Noir”, o perfume “Queen Hatshipsut” que se assemelha, em muito, ao meu usado perfume “Eternity” e a “Queen Cleopatra”, cujas reminiscências aromáticas nos lembram o perfume “Poison”. Engraçado. Há uma relação entre estes títulos. É claro que há perfumes locais, como o “Harem Perfumes”, a “Nefertity” ou “Amon – Ra” mas é o “Secret of the Desert” que dita a lenda de Nefertari e as suas técnicas de sedução para encantar o faraó Ramsés II. Olhávamos o guia que explicava que este perfume era muito antigo, remontava à época de Nefertiti, uma bela mulher, das mmais belas que já existiu no Egipto, que já utilizava aquela essência para atrair a atenção do marido e excitá-lo sexualmente. Nas suas palavras, “es la base del viagro ejípcio”. Uma risada geral propagou-se na sala. A base do viagra? Ele continuou. “Es meter esto en la piele e l’hombre hacerá louco. Una noche de sexo louco.” Os vários casais a bordo riram. Brincavam, afirmavam que queriam experimentar o produto para testar a sua eficácia. A história era curiosa. Nefertiti todos os dias à noite, antes de receber o seu amado, colocava gotinhas do perfume nos mamilos, no umbigo e no órgão genital, sendo isto o suficiente para que o odor fosse inalado pelo homem, provocando um sentimento de excitação, atracção e prazer. Nunca acreditei nesta lenda mas a convicção com que o rapaz transmitia a história e a contava, de uma autenticidade enganadora, conseguia divertir e quase fazer-nos pensar que ele estvivesse a relatar uma verdade universal.
Depois, cheirámos essências de especiarias que eram utilizadas como remédios e curativos: o “Musk” ou o “Royal Ambar”, utilizado para se ober um sono tranquilo, calmo e afastar os problemas de enxaquecas.
Shopping Time. Não consegui resistir à tentação de comprar quatro frascos pequenos de perfumes diferentes que me custariam à volta de sessenta euros. Bem, a minha carteira estava cada vez mais leve e, como havia multibanco ali, nem hesitei em utilizar o cartão. “Jasmin”, “Lótus”, “Secret of the Desert” e “Royal Ambur” foram os aromas que me entregaram, em quatro frasquinhos devidamente rotulados e identificados, numa caixinha, uma vez mais, de cartão forrada com imagens de estátuas, deusas e alegorias conhecidas. Uma moça de véu atendeu-me e eu agradeci, com o habitual “shokran”.
O grupo fazia compras, mostrava o que tinha comprado, falava avidamente e de tom leve. “O perfume da flôr de Lótus é muito forte..”. “Ah..eu gostei muito do de Jasmin..”. “Ahhh moço, não tem aí gardénia? Gosto muito.” 14:00. Éramos os últimos do barco a passar por ali, certamente já todos estariam refastelados a comer uma entrada qualquer deliciosa e uma carne picante, tendo como sobremesa umas belas fatias de melancia. A fome apertava e enquanto nos preparávamos para abandonar o velho palácio islâmico, observei o guia exótico durante uns segundos, numa discrição concreta enquanto preparava os óculos de sol e a minha mente para enfrentar a normalidade do calor daquele país e de todas as outras coisas que encontraria lá fora.
15:00. Assinei a folha, com o registo da garrafa de água que encomendamos, e fui vestir o meu bikini para dar um mergulho na piscina. Na verdade, quando chegámos ao “Beau Rivage” já todos tinham chegado à sobremesa pelo menos e o nosso almoço foi mais calmo do que o habitual, envolvendo também alguma lânguidez e sonolência.
Às 15: 30 os quatro grupos iriam sair do barco, numa visita facultativa entitulada “Aldeia Núbia”. Basicamente, em troca de trinta euros, iríamos de barco até uma praia fluvial do Nilo para tomar banho, andar de camelo até uma aldeia núbia, entrar numa casa dos nativos, comer alguma da sua comida, conhecer um pouco da sua vida. A visita estava programada para durar toda a tarde, prevendo-se que chegaríamos ao “Beau Rivage” por volta das 18:00. Como teria apenas meia hora para disfrutar do barco, decidi não ir fazer a sesta como parte do grupo. Fui ao 211, num ápice, vestir o bikini. “Pânico”. O quarto estava desarrumado, a roupa espalhada na cadeira e na cama ao lado. Teria de preparar tudo à noite antes de partir. Vesti, finalmente, o bikini, levei o protector, não sabendo ao certo porquê pois já sabia que não o iria usar, o telemóvel, os óculos de sol. Deixei o meu 211, com a sua televisão não operacional, fechei a porta à chave e, dirigi-me, através do corredor com música ambiente e retratos de destinos paradisíacos africanos, na parede, até à recepção. Entreguei a chave, subi as escadas para o primeiro piso, depois fui em frente e subi as escadinhas à direita, tornando a virar nessa direcção, para chegar ao terraço. Calor.Tirei uma das toalhas, reservadas aos viajantes num armário junto das espreguiçadeiras, estendi tudo num sítio próximo e entrei na água aquecida da piscina.
Via duas ou três pessoas do outro lado do terraço, a conversarem à sombra. Atracado ao porto, o “Beau Rivage” não se moveria, nem mais um milímetro. Aquele era o derradeiro destino antes de irmos para Abu Simbel de autocarro, uma conhecida localização a trezentos quilómetros, a sul. Entendi que não gozaria mais do facto de dormir enquanto o barco andasse, ou de apreciar a bela paisagem enquanto o “Beau Rivage” deslizava. Parte da viagem já tinha passado e, perante aquele cenário instantâneo de um barco fantasma, no qual as pessoas se refugiavam nos quartos para um repouso viciante, pensava na falta que me faria “Monsieur” ao servir-me o pequeno almoço, a vista para o Nilo da janela do meu quarto, o telefone a tocar para nos acordar diariamente, a pista de dança minúscula, o dormitar encantado numa espreguiçadeira, os “francesismos” no ar, as orações dos minaretes, os sorrisos cuja origem era um mistério, a sala de refeições, os avisos durante o jantar sobre a jornada do dia seguinte, o tilintar da chave do 211 na sua chapa pesada e dourada, o “Bonjour” mimoso, a almofada baixa e branca, a alcatifa do quarto e do corredor, a música no hall, as gargalhadas, as cartadas no terraço sob o aparato de um bafo afrodisíaco, a piscina cubícula, os tremeliques de um navio em movimento durante o almoço ou a noite, as mil palmeiras falando de beleza, a linha horizontal de um leito, outrora vivo, nesta temporalidade já adormecido.
Saí da piscina e conferi o relógio. Eram quase horas de partir. Sequei-me com a toalha, enquanto tremia. A água era quente e quando saía, embrulhava-me sempre na toalha como os miúdos fazem. Fui ao 211 e depois esperei ao pé da recepção, como sempre. As pessoas reuniam-se. Revi os meus companheiros mais novos de viagem, rimos e combinámos mergulhos de grupo na praia do Nilo.
15:30. Saímos. Cada grupo entrou num barquito diferente, coberto e modesto. Durante meia hora avançámos pelo Nilo, acabando por enveredar por ramificações, um rio estreitinho com muita vegetação, pedras, vida.
A aridez poderia ser uma constante, com dunas monstanhosas junto à margem do rio. A animação reinava no barquito. Um menino egípcio, conhecido, parente ou amigo do dono do transporte fluvial, cantava e batia palmas, tentava expandir a alma e o espírito de grupo que se encontrava, ainda, sob influência da acção anestesiante “pós-almoço”, onde a sonolência e o bocejar imperava. Mas logo, o rapazola pequeno, sujo e fascinante pelo seu olho verde de príncipe, montou uma banca no centro do barco, expondo colares, pulseiras e obras de arte artesanal, tentando culminar em si o centro das atenções do grupo.
Não liguei a nada, porque nada me agradava dali e o meu estado de espírito era outro. Tão perto daquela natureza exótica, observava felucas, pequenos pescadores e tocava ao de leve na água do Nilo. Garotos nadavam e aproximavam-se nós, como dolfinhos ágeis, de uma humildade presente e bela. Penduraram-se no barquito e cantavam, à espera de uma moeda ou de um sorriso. O barco avançavam e lá estavam eles, à pendura, de mão estendida. Um deles, era completamente careca e muito muito escuro, mas tinha olhos lindos, olhos que jamais tinha visto noutro lugar ou estância. Eram verdes, verdes que quase se tornavm amarelados, quando o sol incidisse neles. As longas pestanas abonecavam-no, davam-lhe um ar dócil e bonito. Contudo, a cabeça grande e disforme, transparecia uma imagem de doença e debilidade, algo que me fez sentir sensibilizada. Dois garotos brincavam nas águas perigosas do Nilo, arriscavam as suas vidas, brincavam na podridão e pobreza, tudo para conseguir uns trocos nossos, trocos esses que representavam fortunas para eles. Ninguém dá nada e, cansados, fogem para outro barco de turistas recheados. Um moço aproxima-se num pequeno bote e repete o mesmo ritual, já executado pelas crianças.
Agarra-se a um pneu que se encontrava do lado de fora do barco, pretendendo ir à nossa velocidade, procurando, como os meninos, uma moeda, um cobre, umas luzes para o ajudar a iluminar o caminho. Que expressão mais “cliché”. Ele acabou por desaparecer, sem eu própria me aperceber e, conforme os minutos escasseavam naquele passeio de brisa quente, íamos entrando por caminhos, navegando por leitos estreitos e quase selvagens, nos quais a vegetação era alta, diversificada, de uma virgindade incomparável à palmeira junto ao rio.
A dado momento, alguém grita. “Um crocodilo, um crocodilo!!”. Olho para trás, sigo o indicador das pessoas, espantadas, num misto de medo e aventura surpreendente, apontando para um pedragulho, a uns bons metros de distância, na rectaguarda lateral do barquito. O crocodilo repousava em cima da pedra, impávido e sereno, indiferente ao meio ambiente e à eventual poluição sonora que pudêssemos estar a provocar, passando no seu encalço. A meu ver, com aquele charme todo, só faltava uns óculos de sol à anos oitenta, o protector e uma toalha colorida, para o cenário ficar definitivamente completo. Completamente inerte, tivemos sérias dúvidas sobre o estado físico do animal, levando-nos a crer, em escassos milésimos de segundos, que estaria morto e embalsamado, pronto para ser levado para um grande museu sobre vida animal.
“Com que então já não havia crocodilos no Nilo, hein?” Mal acreditava no que tinha acabado de ver. Tudo o que tinha ouvido sobre crocodilos já me tinha sido confirmado como improvável e impossível. Não iria encontrar crcodilos no Nilo e todo o grupo se encontrava perplexo. Tirei a fotografia. Assim, não teria que enfrentar grandes contra argumentos.
Avançámos, lentamente, até chegarmos a uma pequena praia. Depois de termos avistado um animal tão pacífico e humanizante, muitas pessoas deixaram de querer banhar-se naquelas águas. Segundo Ana, o Nilo tinha um problema de contaminação da água, que poderia originar doenças várias, contudo, aquele cantinho estava limpo e parecia delicioso, na verdade. A água era bastante transparente e, conforme se avançava no nado, o fundo passava de areia a a um conjunto de pedras com gusmo.
Quando atracámos junto à areia da praia, os meus companheiros de viagem mais novos, já se encontravam em água, felizes e contente, em mergulhos chapados, tremeliques aéreos e gargalhadas sufocadas. “Isto é porque não viste o crocodilo.”, pensei. Teria uns minutos rápidos para disfrutar do local, depois iríamos de camelo num caminho estreito, feito de areia e terra batida, a meio do monte, tendo do lado esquerdo a beleza do Nilo. Despi-me para juntar-me à festa aquática. A ideia do crocodilo ainda me estava muito fresca, mas não consegui deixar de agarrar aquela oportunidade, seria talvez a única vez que poderia refrescar-me nas águas do mais comprido rio do mundo. Além do mais, o calor era muito, o corpo, perante tanta frescura, não resistiu.
Deixei tudo dentro do barco e fui a correr até à água, para junto dos novatos. Rimos, divertimo-nos e nadei para longe. Descontraí-me. O meu corpo estava leve à superfície, o cabelo comprido e liso, espalhava-se como se um grande e pomposo coral fosse. Sentia-me viva, limpa e feliz, com gotas de água morna a escorrer-me pela cara, o coro cabeludo imerso numa pureza plena de doçura, dirigido a sensações longínquas daquelas que já me tinha habituado a sentir na azáfama da cidade. Mergulhei. Quis abrir os olhos mas não consegui. Toquei com as pontas dos dedos dos pés no fundo, sentindo a dureza de pedrinhas e pedronas. O fluxo da água no nosso corpo é uma sensação maravilhosa, das mais poderosas e sensuais que se pode viver, como se ele fosse acariciado e tocado, embalado por infinitas partículas que o embelezam, soltam-no, fazendo-o voar. Eu sentia-me assim. Perdida naquele conforto e, ao mesmo tempo, protegida, semi adormecida à superfície, nadando e virando os membros corporais, de olhos fechados.
Contei que tínhamos visto um crocodilo mas não acreditaram, talvez por pensarem que sou muito criativa. Sei lá. Em vez disso, os novatos e inexperientes subiam para o terraço do barco e saltavam de cocras, repetidamente, de voz gritada e rebeldia segura, salpicando os restantes companheiros, numa despreocupação digna de inveja. Refilei por ser salpicada uma ou duas vezes mas depois desisti e comecei a interagir de uma forma totalmente informal. Por outras palavras, salpiquei também, forte e feio.
Saimos da água. Fui secar-me rapidamente com a toalha, vesti a roupa e lá fui eu, com a água a escorrer, conduzida até meia dúzia de camelos. Como o passeio de camelo não era obrigatório, quem não estivesse disposto a tal, iria de barco até à Aldeia Núbia. Deixei o dispensável no seu interior e, nervosa, fui convidada a subir para cima de um camelo, animal de duas bossas, alto, elegante, cujo cheiro, contudo, tinha um característico e forte odor. Não era a primeira vez que andava de camelo, já o tinha feito na Turquia nos meus ingénuos dezasseis anos. Tinha andado uns segundos para tirar uma fotografia e, apesar de ter uma vaga sensação de ondulação da experiência, não estava muito recordada do processo. Subi para cima de um camelo molengão e refastelado, indiferente à minha chegada, mastigando e remoendo qualquer coisa de irreconhecível. “Woowww”. A subida foi repentina e ri-me. Fomos.
Em filinha indiana, um grupo de quinze pessoas iam numa vaga estrada, em cima dos seus camelos. Já estava seca. O calor abrasador da tarde dissipava, num ápice, toda a frescura. À minha esquerda, encontrava-se o Nilo, uns cinquenta metros abaixo, pois o caminho estreito, cortava um monte a meio, colocando-nos, com alguma altura, acima daquela natureza verdejante e única. À medida que avançámos, o carreirinho subia mais e mais altos ficávamos. Para que o passeio fosse agradável, teria de ter as pernas para a frente, os pés cruzados e apoiados, segurando também na saliência da “cela” montada. De facto, estar em cima de um camelo podia ser pouco seguro. Para a frente e para trás, para a frente e para trás. A parte superior do meu corpo, com o movimento do animal, formava ondulações, estava constantemente em movimento e, dada a relativa altura do animal, um ou outro movimento inesperado, podia fazer desesperar as mentes mais inexperientes.
A viagem prosseguia e, após já não me lembrar o que estava ali a fazer exactamente, deixar de sentir as costas e os movimentos descuidados do camelo, observei o que me rodeava. Reparei na areia avermelhada e alaranjada, nas dunas do nosso lado direito que completavam aquele monte. De novo, a antítese do verde e do verdejante, junto ao Nilo e do árido, longe dele. Ao fundo, casas coloridas surgiam. Era o nosso destino.
“Vvvvvvv..Vvvvvvvvv”. O bafo do camelo que ia atrás de mim batia nas minhas costas. Virei-me para trás e dei um salto. A proximidade já tinha deixado de ser pública, há muito tempo, para ser de índole íntimo. Todos os camelos estavam ligados ao da frente por uma corrente, presa numa argola, uma espécie de piercing, que cada animal tinha numa das narinas. Daí, essa corrente se prendia à parte detrás do animal que seguia em frente. O que acontece é que o bicho atrás de mim não párava. A sua cabeça estava atrás, depois do meu lado esquerdo, colada a mim, assustando-me com dois grandes e pretos olhos parecidas com duas ameixas húmidas de longas pestanas vivaças. Quase encostado a mim, o camelo inclinava-se, provocando este facto uma gargalhada imenso no companheiro de viagem que incursava, feliz, na parte superior desse animal. Ri-me mas, dada a quantidade de vezes que o animal se encostava e se adiantava no passo, e, tendo em conta o bafo que deixava escapar da boca imunda e verde, constituída por todo o tipo de elementos defecatórios, afastei-me claramente dele, mexi os braços, assustei-o. Credo. Que cheiro. O animal lá andava, precipitava-se para o meu lado esquerdo e a monstruosa cabeça dava, de novo, uma lufada de ar fresco ao meu passeio, com a sua maravilhosa fisionomia. Irritada, praguejei contra o animal, mandei-o para trás. “Oh filho, tens de ir ao dentista que o verdete está a dar-te cabo da dentadura toda!” As gargalhadas, vindas de trás, eram ligeiras mais evidentes. A minha vontade era de lhe escovar os dentes mas, depois, com a patetice da situação caricata, acabei por me rir e gostar daquele camelo que mais se assemelhava a um burrito que já, noutra vida, tinha sido um porco.
Chegámos a uma aldeiazita junto ao rio, constituída por meia dúzia de casitas. As crianças vinham para junto de nós, queriam vender pulseiras pretas com escaravelhos colados, azuis. Eram todas muito bonitas e simpáticas, não nos largavam. Os barcos já lá estavam e fui buscar o resto das minhas coisas, caso fosse necessário. O calor ainda era insuportável no exterior, mas no interior a coisa não melhorava muito e, naquele momento, entendi que aquela família que cedera a sua casa para os turistas, fizera dela algo construído, algo de atraente para os turistas, um “produto” que não teria de corresponder, necessariamente, ao protótipo de casa de uma família núbia. Afinal de contas, quantas famílias daquelas tinham em casa pulseiras e peças artesanaias, em cima do banco de pedra, junto à parede, para vender? E um pequeno aquário com crocodilos bébés? E, quantas mulheres daquelas, faziam tatuagens, um euro cada? É certo que era o negócio daquelas famílias, um povo que se sentia submetido à vontade da República Islâmica do Egipto, sem terra própria, mas com valores rígidos e conservadores.
O interior daquele lar, como todos aqueles lares, era modesto, pequeno e abafado. O chão era a terra batida, com tapetes e as paredes tinham várias côres, sendo o branco predominante. Ana convidou-nos a sentar numa mesa, que estava a um canto, para lancharmos. “Os Núubioss têem vidass muito difíceis, a mulhé trabalha em casa e tem de fazé muiiito para u maridú.” O maravilhoso pão achatado em forma de círculo chegou à mesa, conjuntamente com outras guloseimas próprias como o queijo picante. “Hummmmm, que bom!” Devorámos tudo, bebemos colas fresquinhas e, passados instantes, mais doces típicos vieram. O chão de hortelã também parecia bom, contudo aquele calor pedia mesmo uma coca-cola fresca, uma das minhas bebidas predilectas.
Reparei na mulher que levava a comida. Olhava, constantemente, para o chão, na sua roupa, com o lenço na cabeça, os olhos distantes e um ar vago, infeliz. Era uma mulher jovem, poderia ter a minha idade, contudo parecia presa à sua vida e à sua condição enquanto rapariga. Tive vontade de lhe dirigir uma palavra mas a situação, o problema da comunicação e a falta de à vontade não me permitiram realizar tamanha ousadia. Afinal de contas, aquelas pessoas não iriam encarar bem este tipo de atitude, tipicamente ocidental. Ignorei o caso e pedi para fazer uma tatuagem na parte de trás do ombro esquerdo. Escolhi o olho de Hórus, um símbolo fascinante, que sempre gostara e, posto o fim do dia, onde um céu rosado surgia envergonhado, rumámos para o barco, chegando por volta das 18:00 ao “Beau Rivage”.
A tarde tinha sido cansativa e movimentada mas, mesmo assim, estava disposta a ir para a piscina. Ansiosa, depois de passar pelo 211, corri até à piscina, para dar um mergulho de despedida à amor passional, uma espécie de adeus eterno a alguém de quem gostamos mas que, segundo os cânones e regras, não poderemos, nem voltaremos a ver. O inconveniente foi ter tido a mesma ideia brilhante que metade das pessoas que estavam em viagem comigo tiveram.
A piscina minúscula e quadrangular estava cheia, com juventude e infantilidade personificada, pais, mães, piriquitos. Er. Engano. Saltei para a piscina sem pensar no meu olho de Hórus, a minha nova marca pessoal. Estiquei-me na “super, hiper, mega” descontracção de uma piscina de um final de tarde descontraído, sem pensar em actos ou consequeências. Na verdade, feito o balanço da primeira metade daquela viagem, sentia-me prestes a querer ficar ali, para todo o sempre, durante mil vidas, sem me preocupar com a minha remota e humilde presença, num amado paraíso abandonado, a milhares de milhas dali.
19:30. Saí da piscina, fiz nova maratona para o duche até estar pronta para o jantar. Tinha menos de meia-hora e sentia o tempo a voar. “Bolas, a tatuagem está a perder a côr.” Porta. Chave. Tirar roupa. Duche. Bater. Nódoa negra. Toalha. Limpar. Vesti um top preto, umas calças brancas, calcei as sandálias, arranjei-me, sem olhar para o lixo de moda naquele espaço e voei para fora, para o meu último jantar, através de uma porta organizadora de milésimas de sentimentos e tristezas recalcadas.
20:00. Estávamos prontos, à mesa, esperando que “Monsieur” e todos nos servissem, como nos tínhamos habituado. Falávamos da viagem, das saudades do barco, das tatuagens sexys que fizéramos. Trocávamos “olás” com os vizinhos de mesa e, tendo recebido de Ana uns belos brincos de prata, encomendados, representando dois cartuchos com o meu nome em símbolos hieroglíficos, alguns indivíduso simpáticos, como as moças do Porto e o senhor que conheci no aeroporto, teceram elogios à beleza do adorno. Sorri, plena de satisfação. “Por 30 euros, só podia ser uma coisa bonita”. Às nove e meia, haveria um espectáculo de dança do ventre na pista de dança, uma profissional ia lá. Estava expectante pela ocasião.
Acabei por, após o jantar, pagar todas as minhas bebidas durante a estadia, se bem que, devido à mudança de quarto no princípio da viagem, houve uma troca de contas, contas que não seria eu a pagar, nem o outro senhor que estava no meu quarto, anteriormente. Posto isto, juntei-me aos meus companheiros mais jovens que me acusavam de mentir em relação à minha idade, pois parecia ser muito mais nova. Ri-me. “Deve ser das roupas à camponesa, meus amores. Eu sou jovem mas mostro-vos o meu B.I.” E mostrei, eles resignaram-se à realidade, fomos em compasso lento para a discoteca e esperámos.
21:30. Começa o espectáculo. Uma rapariga nova, de atributos físicos apetrechados, arredondados e curvados, surge na pista. De nuances louras, beiças vermelhonas e com um fato branco brilhante e reduzido, a moça abanou-se, timidamente, à medida que três músicos se excediam nas suas capacidades. Acompanhada por um teclista, um percursionista e um tocador de pandeireta, os movimentos esquerda, direita, esquerda tinham uma expressão discreta e, digamos, pouco criativa. Conforme as notas se elevavam naquele tecido de meios-tons e harmónicos, a generosa cintura e dotada anca, movimentava-se, agudizando-se, formando círculos e pontadas certas e seguras, numa sensualidade pontual. Finda a primeira música, a dançarina saíu da pista, foi buscar senhoras para dançarem com ela. Ri-me. “Antoine”, um dos empregados do barco que tinha a sórdida mania de nos atirar gelo quando estávamos no terraço, perto da piscina, sorriu para mim, de bandeja na mão, sacudiu-se todo, abanando-se como uma mulher à procura de disputa. Apontou para a pista, querendo-me forçar a dançar para uma significativa plateia. Fazendo sinais à lourita, ela empurrou-me para a pista. Ele sorriu, satisfeito por ter cumprido a sua missão e, desta feita, eu e outras mulheres, dançámos em harmonia com aquela mulher, nos gestos, passos, voltas e agitares ondulantes. Mais uma vez, de sorriso aberto, acompanhava aquela egípcia, de olhos pintados e feições curvas, sobre a protecção de luzes coloridas e psicadélicas. Voltei a sentar-me ao redor e a apreciar um espectáculo que se acabou por revelar curto e fraco. Três músicas depois, a moça saíu.
Eram quase dez horas. Por volta das duas da manhã teríamos de ter a mala à porta do nosso quarto, para ser transportada para a camioneta. Até às três tomaríamos um leve pequeno-almoço no bar, seguindo para uma viagem de, sensivelmente, quatro horas até Abu Simbel. Comecei a pensar que não iria dormir, visto que teria de arrumar a panóplia de coisas que tinha, desalinhadas, no quarto e, também, desfrutar de tudo o que pudesse naquele último dia. Acompanhada, fui até ao quarto, atingir essa difícil e árdua meta de voltar a meter tudo na malinha mágica azul, de rodinhas ruidosas. Posto isto, e depois de entender que teria de levar tudo o que já tinha comprado, como a rababa e os papiros, em vários saquinhos, abalei para o terraço do cómodo navio, com as minhas recentes aquisições relacionais. Deitámo-nos, em espreguiçadeiras juntas e coladas. As moças do Porto encontravam-se na piscina, em gestos de diversão espontânea. Mas, logo, logo, ficámos quase sozinhos, a conversar sobre histórias surreais da vida e a contemplar aquele céu belíssimo. “Em portugal, não há um céu assim. Pelo menos, nada de tão iluminado por si mesmo, como se milhares de luzes distantes estivessem a invadir a atmosfera.” Comemos bolachas, dormitámos, por instantes, naquele cenário de paz de espírito, de uma inverosímil felicidade, apenas possível num sonho real de uma película. Os minutos passavam, assustados de si próprios e eu, consciente da unicidade daquele evento, abri, bocejadamente, as pálpebras finas, ergui a cabeça, senti a frescura do vento e desenhei o horizonte infinito na minha imaginação, marcado no decorrer da minha vida, saudando-o com um olhar brilhante, um sorriso mudo e um beijo ciumento.
Levantei-me e dirigi-me ao 211. Um “até breve” foi trocado e todos, isolados naquelas paredes íntimas, preparámos tudo para fechar o capítulo deste episódio marítimo em beleza. Troquei de roupa, refresquei-me. Incrível, não tinha sono, apesar de sentir o corpo pesado, cansado e dorido. Depois de ter todas as malinhas cheias, apetrechadas e organizadas, peguei nos sabonetes líquidos da casa de banho e guardei-os. Olhei à volta e tirei fotografias.
Estava pronta. Já eram quase duas da manhã. De mala e malinha nas costas, olhei em redor, à procura de vestígios pessoais, de objectos esquecidos ou escondidos. Ao meu olhar nada apareceu e, puxando a minha malinha, de sacos na mão e espírito de aventura, abri a porta, apaguei as luzes, fechei, devidamente, essa entrada, fixando a tabuleta do 211, fechando uma barreira física, desejável mas intransponível, esquecida, elemento de um passado listado e distante, porém, jamais incontornável perante o olhar acastanhado de uns olhos deslumbrados.

maio 09, 2006

" Tabaco, pizza e sexo"

" Tem boa imagem? É que se não tem, mais vale não vir.."
Amigos, amigos. Tcharann. A Puma está de serviço, novamente, ao vosso dispôr para responder às vossas dúvidas - isto se, vocês se dignassem a dar-me algum feedback, né? - e partilhar as vossas ansiedades. Não receiem o desconhecido, abracem-no como se fosse a coisa mais importante da vida, porque nunca sabemos quando é que ela vai ter um fim, não é?
Vá, não sejam tão críticos e rígidos comigo. Disse algum crime? Não, pois não? A vida é algo muito frágil. Cada vez tenho mais certezas disso, basta-me ver que um idiota qualquer na América invade culturas alheias, invocando os grandes valores da humanidade, espalhados peloa grandiosa Revolução Francesa de 1789, com o único e semítico objectivo de tirar os louros e os créditos para si, chupando qualquer regalia política e financeira. Para resumir, que eu ainda quero ir fazer a mudança do meu tio-avô para Alverca antes da meia noite, o cabrão quer o petróleo. Quer a massa, a pasta, o carcanhol, quer o bem bom, quer ir para oa Brasil durante 6 meses e sair de lá mais preto que um perú assado no dia de acção de graças americano, quer ir ter com o Bin Laden para organizarem um Ména.. Ups. Calma. Estas duas últimas coisas não faziam parte da lista. De qualquer das maneiras, não culpem o meu humor sarcástico. Desta vez não fui irónica, nem nada, nem o utilizei. É que o homem é mesmo um grande bronco e mais valia ter ficado no Texas a fazer criação de gado, a fazer pequenos almoços cheios de bacon e ovo para o rancho de filhos (ou filhas) que já conhecem o sabor do álcool desde que choraram pela primeira vez - ou seja, desde que nasceram - e..ups..eu não queria dizer que as filhas do Bush têm fama de alcóolicas..mas olhem..saíu-me..Mesmo depois de tudo o que eu disse, acho que, pelo menos, se tivesse ficado no Texas poderia ter tido a sorte de entrar no "Brokeback Mountain", melhorar a sua arte para a pesca e desejar querer desistir de um amor gay, impossível perante os olhares azedos da época, em vez de, agora, querer desistir do petróleo.."Oh I wish I could quit you..". Palerma..
Ontem tive uma boa companhia para jantar. É engraçado reparar nos pormenores das situações, não quando as estamos a viver, porque muitas vezes isso não é possível, mas sim quando as recordamos. E, azafadamente, parece que surgem uma data de coisas na nossa cabeça que antes não tinham surgido. É o chamado "Viver da Nostalgia". É? Quer dizer, não sei se é..Digo eu agora! Mas ao "nostalgear", ao recordar momentos de um passado não muito distante, temos não uma imagem perante nós, mas várias facetas e silhuetas dessa pessoa, um resultado amadurecido e recolhido pelas várias horas que se passaram em amena cavaqueira e espontaneidade, onde a verdadeira nunca toma um papel activo. Talvez porque não haja a necessidade de pensar antes de falar. Não vos parece lógico? Eu gosto de me relacionar com pessoas que tenham essa capacidade - apesar de podermos acabar a dar cabeçadas uns nos outros se tivermos opiniões divergentes - e mais, que não só tenham esse dom, mas como também o compreendam e apreciem, porque a meu ver, hoje pensa-se demais, reflecte-se demais antes de estar com alguém. Estudam-se os pormenores, encenam-se as coisas. É óbvio que isso é inevitável em certas situações. Vivemos de máscaras, de clichés, de um vestuário que forma uma imagem, de sinais importantes que vão fazer com que o próximo forme uma impressão da nossa personalidade, logo nos primeiros segundos de visualização. Não é interessante? É instintivo, faz parte de nós olhar e avaliar, fazer das pessoas meros rótulos e agrupá-los na prateleira, tal como alguém há uns anos uma vez me disse. E para quê? E para quê não falar o que me apetece no momento? Numa iluminação acolhedora, com uma música ambiente e umas vagas flores artificiais coladas à base de uma jarra de plástico, fatela e qualquer, porque não abrir a boca e falar ao na mesma banda sonora que o meu pensamento, difuso e complexo?
Luz. Cheiro. Um sabor crocante que nos aquecia o estômago. Um desejo reprimido. Lentes vagas, personagens ausentes. Palavras soltas e uma bola de fumo que se soltou na frescura da noite.
Depois disso, só sexo. Muito, muito sexo com uma pitada de infoteinment.
Qual é a coisa, qual é ela? Pois, vocês não adivinham e eu não me chamo Daniela.

maio 07, 2006

"Um oásis no deserto.."

"Oh I love to loveeeeeeeeeeee...but my baby just loves to dance... Yes, he does!!!"

Há uns meses atrás gostava de um rapaz. Muito. Muito mesmo. Estava apaixonada como nunca tinha estado antes e isso fazia-me sentir viva, feliz, confiante, segura, imparável. O tempo parava e eu ficava só a pensar naquelas recordações. E só essas recordações, valiosas por si mesmas, me davam forças para todos os dias acordar e fazer, simplesmente, o que tinha a fazer. Mesmo que essas memórias me iludissem, me atirassem para uma espécie de abismo em espiral sem saída, elas eram suficientemente fortes para me dar tudo o que eu precisava. No entanto, se esse amor me fazia sentir rica interiormente, a todos os aspectos positivos, também me dava o pior que há na vida. Que raio de amor é este em que não vejo o meu objecto amado? Que merda é esta em que não há contacto físico, não há palavras, pensamentos, jogo, sedução e sexo? Como é que alguém pode ser feliz só em pensamentos? Pois, não pode. E depois de picos de sonhos, em ilhas desertas, uma plenitude de calor e locomotivas de gelo, caía na realidade e saberia que esses desejos não existiam em mais lado nenhum, senão na minha mente. Eram do mais bonito que tinha sentido e vivido, mas era só meu. E não podemos ser felizes se não partilharmos com os nossos semelhantes tudo o que sentimos, o que vemos, o que vivemos, não é? Pelo menos com uma pessoa no mundo..e se fôr a nossa paixão, o nosso reduto, o nosso escape, tem de estar bem viva na nossa vida, a cada instante, pois é quem recorremos primeiro, caso haja uma necessidade..Estejamos bem ou mal, é assim que o ser humano vive, em conformidade e proximidade com o outro. Eu sabia que tudo não passava de um sonho, de uma ilusão, uma coisa fantástica que se desenrolava na minha cabeça, mas ao menos tentava acreditar, ter um objectivo que me dava forças, mesmo que fosse impossível, me levava para além do limite das coisas e me dava a convicção que tudo era possível de acontecer. Passaram muitos meses até sair desse estado de espírito, de não pensar nele, de deixar de o amar. E por mais incrível que pareça, nunca lhe disse nada. Nem uma mensagem, uma chamada, um sinal de vida. Apesar de lutar, desisti à partida de o tentar conquistar, mostrando-lhe o meu amor. O meu coração sabia que não ia acontecer nada, apesar de os milagres, hoje em dia, serem cada vez mais frequentes.
Para mim, isto pode ser o verdadeiro amor. O amor toma muitas formas e não se pode ser redutor ao ponto de se dizer "bem, esta é que a única forma de amor realística". Naaaaaaa...Ama-se de muitas formas e feitios, cada um ama como quer e como lhe convem. Mas o facto de viver com um amor trancado dentro de mim, de não o querer saltar para me proteger e a ele, de desejar apenas viver com naturalidade a vida, sem pressões, sem sufocos, sem humilhações, fez-me entender que o amava realmente. Não o persegui, não o enchi de pedidos, não o implorei para ser meu amigo. Fiz o que tinha a fazer e vivi bem com isso. Bem..bem, não vivi..Mas não se pode forçar o amor, ñão é?
É esta a mensagem que quero passar hoje...Carpe Diem. E sejam naturais. Basta.