setembro 14, 2009

Cruzamentos com múltiplas bifurcações

Verão. Alentejo. Brisa fresca.

A conversa ia quente, em cima de um banco de pedra. A contrastar com o gelo que sentia na ponta dos dedos dos pés, falávamos vivamente sobre o último livro do Miguel Sousa Tavares. Sobre a inspiração de um homem que amou alguém na aridez do deserto, de certo modo semelhante à essência daquela relaçao. Ilusória, passageira e inerte.
"Posso?". Algo dera um ponto final às filosofias sobre a obra do escritor. Pelo menos, umas reticências, cuja continuação era indefinida e estava posta em causa. Era uma rapariga loura, de cabelos encaracolados, de figura esguia e bronzeado cor de caramelo. Segurava uma garrafa de vinho tinto, numa mão, e vários copos de plásticos, na outra. Os tiques demonstravam bem o efeito que a pinga estava a ter: um pestanejar constante e veloz, movimentos hiperbólicos e uma finura ténue de desiquilíbrio. Mas, no fundinho, a rapariga, de olhos verdes, parecia só querer um pequeno espaço do nosso banco. Olhei para a "Lúcia" perplexa, mas não havia sinais de qualquer reprovação.
"Sim, claro, sente-se", assenti. "Olhem, querem um pouco?". Silêncio estranho e constrangedor. "Vá lá! Está bom!". Não que tivesse o hábito de aceitar bebidas de desconhecidos, em noites de Verão, nas quais o nosso lado mais selvagem predomina. Mas aceitei. "Vá lá, enquanto o Bruno não chega". Olhámos para a rapariga com ar interrogativo. "Namorado?". Ela abanou a cabeça, num sinal bem explícito de negação. "Qual quê! É alguém..olha, conhecemo-nos agora". Mal percebia o que se passava ali, nem entendia que estava eu a fazer, ao cheirar o aroma de um vinho tinto vindo de uma desconhecida. Mas a despreconceituosa interacção agradou-me e, por isso, fomos mais longe. Percorridos quilómetros de conversa e blá blá blá sobre as nossas confissões - porque no fundo não passávamos de três mulheres desconhecidas, contudo com idades semelhantes e, por conseguinte, com preocupações idênticas -, ele aparece.
A "Sónia" e o "Bruno" eram um daqueles casais relâmpago. cuja duração média de vida são dias ou, na melhor das hipóteses, escassas semanas. O protótipo de relação mais comum, quando já toda a gente já bateu com a cabeça nas paredes, para cima de mil vezes e está imune. O mínimo de compromisso com o máximo de luxúria e descomplicação. A fórmula que, à partida, acaba por ser mais viável e cómoda. É o típico "Enquanto há tempo, paciência e alguma sexualidade, suporta-se. Depois disto não me venham com merdas, que tenho mais que fazer, sim?" Ele, bem parecido, atraente e simpático, ofereceu-nos mais vinho e juntou-se a nós no banco - o nosso cenário para a nossa pequena história.
Brindes, brincadeiras, relatos. Um pequeno relâmpago de maluquice atingia o nosso mini quarteirão, de cinco em cinco segundos. Risos, danças, pequenos mistérios revelados. Como se fôssemos amigos há meia dúzia de anos. E, pelo menos, com várias festas e karaokes em cima. Não esqueçamos as inconfidências, que metiam um namoro mal terminado, com casamento à mistura e um passado confuso. Cada vez que a palavra "Ana" saía daquela boca, um brilho nos olhos dele cortava tudo que estivesse à sua volta. Escutei, ouvi, senti. Imaginei mágoas, tão comuns em pleno século XXI, e pensei em fuzilá-las naquela cabeça. Não, pensei mesmo numa tortura à Idade Média. "Segue em frente. Esquece. Esquece". Por detrás daquela máscara de mel trintão pré Mourinho style, os olhos escondiam um passado tenebroso. Ela, sensual e exótica, falava alto e brindava aos fortúnios e infortúnios da vida. E as pilhas deviam ser duracell.

Verão. Alentejo. Brisa mais fresca. Uma hora depois.

A música misturava-se com as nossas vozes e as ondas do seu cabelo, cruzavam-se com o meu ruivo liso. Desdobrávamo-nos em mil pessoas, todas presentes naquela pista feita de fuguras solitárias, que exibiam, principescamente, um copo de cerveja na mão. Eu e ela tínhamos parado ali, aquele era o nosso momento de libertação, o nosso prazer, a nossa declaração de amor à vida. Numa espiral sufocante, não parávamos. Não desistíamos de sermos mulheres e, mais importante. Não queríamos parar de ser animais, seres selvagens, frenéticos, alucinantes. Stop.

Play. Era tarde. Reparei que a sala se tinha enchido de casais, com cheiro a sexo e sede de desejo. O tempo retomou o seu lugar, o ponteiro dos segundos não paráva de ditar a sua inflexibilidade e eu senti que o meu lugar já não era ali. Olhei à volta uma vez mais, despedi-me, sacudi o fumo dos pulmões e regressei à normalidade de um dia de férias. E nunca mais bebi vinho de estranhos.

julho 30, 2009

Rewind & Fast Forward

O tempo é implacável. Passa, convicto, sem dar-nos as oportunidades suficientes para fazer perdurar certos momentos ou para agarrar, como é devido, outros. Nos últimos anos do meu percurso, muitos caminhos desembocaram em ruas de um único sentido: becos sem saída e sem alternativas.
Agora há que virar o jogo, mudar as placas de sítio e contornar a minha direcção, com deterinação e assertividade. Talvez com a ajuda de um mapa, inicialmente. Regularmente, virei aqui expressar algumas das minhas inócuas ideias, sem grandes manobras de diversão no português. Acho.