O avião da US Airways era como uma micro peça de Lego, construída aos poucos durante um longo período de tempo, mas com um aspeto estranhamente volátil. Ao ponto de parecer sucumbir facilmente com a primeira rajada de vento. Uma massa gelada de ar fugiu para dentro do enlatado aéreo e bafejou-me o corpo. Automaticamente encolhi-me, tornando-me um autêntico retrato de uma velhinha de 80 anos. Colada ao interior do casaco, de semblante carregado, ansiosa por uma manta, cobertor ou algo volumoso, semelhante a um gato gordo, a ronronar-me ao colo. De tal forma que, quando entrei no interior, nada podia ter sabido melhor que o quente, composto por fru frus de camisolas, cachecóis e aquele ar misterioso - ali não conseguia averiguar de onde é que vinha, perante a pequenez do espaço - que põe os cabelos de pé, qual eletricidade estática.
O meu lugar era junto à janela, do lado direito, mesmo na segunda fila do avião doméstico. Uma assistente de bordo, afro-americana, de cabelo curto e movimentos desembaraçado mantinha-se apoiada junto à porta, com um indumentária formal. Saia preta pelos joelhos, a combinar com um blazer e uma camisa branca, com um rosto oval pincelado por um batom vermelho em andamento. "Yes, alright then", deambulava, entre pontos finais, vírgulas e e pontos de interrogação, enquanto a perna esquerda fletida, deixava a direita em tensão. A visão arrepiou-me, ainda mais.
Desviei o olhar para a janela, à procura de sinais. Quanto tempo iríamos demorar a sair dali? Já tinham passado muitas horas desde que abandonara Portugal, perdera o contacto com a famosa A., e inclusivamente que tinha falado na minha língua. Aos poucos, o sotaque do inglês além atlântico instalava-se na minha cabeça. Os diálogo sonantes e musicados das inúmeras séries televisivas, que arrombavam o nosso sistema cognitivo, ganhavam uma nova dimensão. De mono passavam a ser uma sinfonia musical em estéreo, com direito à (in)satisfação dos outros sentidos. A música de elevador, transposta para a década de 50, começou a cruzar-se com suspiros, cofs cofs, e bips bips de máquinas fotográficas anteriores ao flash. Distraí-me com esta informação, dispersa pelo avião. Vaguei entre os vizinhos franceses, que me lembraram a vontade que tinha de saborear um croissant, a postura profissional da hospedeira, que provavelmente estava ansiosa para chegar a casa, e a paisagem longínqua da janela riscada, que eu queria ver. Saltar apenas com o poder da mente ou encarnar numa versão feminina do flash gordon, até aterrar na estátua da liberdade. Apertei bem o cinto, tapei-me discretamente com o casaco e enterrei-me naquela melodia.
"Oui... Eh... Yes, thank you". Uma moça negra, de óculos inteligentes e indumentária simples, em tons de azul, sentou-se ao meu lado. Sorri e disse olá, ansiosa para poder conversar. "Ladies and gentleman...", ouvi. Finalmente. Íamos levantar voo. E eu ia conversar com alguém antes de comer a maçã.