outubro 27, 2014

Desesperadamente Procurando Nova Iorque (V)

"Don't be afraid ma'am. It won't bite you". Uma máquina giratória, de proporções gigantes e sons semelhantes a 20 despertadores juntos, estava a devorar-me os olhos. O ambiente, agitado, era um somatório de uma mixórdia de sons, cruzamentos entre vozes, passos e objetos metálicos em andamento, e de uma borrada colorida, na qual as cabeças dos viajantes pareciam mirrar a cada zig zag dado.

Descalcei-me, com alguma dificuldade. Todos os espaços e bancos, passíveis de me auxiliar nessa tarefa, pareciam ocupados com sacos, malas e máquinas fotográficas. "Just move it!", atirava a réplica nº 578 da Queen Latifah, ao fundo do corredor. Subitamente, a minha mente viajou para uma prisão norte-americana, na altura da refeição, onde a fila de espera teria sempre de ser orgânica e contínua. Sem tempos mortos. A diferença é que, no presente imediato, existiam detetores de metais em vez de cassetetes pretos, autênticas metamorfoses de uma cordilheira além da linha da terra. Uma menina, com o cabelo cor de gengibre, de tez sardanisca e olhos pestanudos mirou-me com um azul celeste. Sorri timidamente, surpreendida pela doce fixação nos meus movimentos descontinuados, à procura de um local para esperar. "Ah a eterna curiosidade das crianças". Nunca imaginei que poderia ser um dos momentos mais bonitos de sempre, o aceno de uma criança a uma desconhecida ou um gracejo redondo quando uma das minhas botas desencaixou, aflitivamente, do meu pé. E com o esvoaçar do cachecol, da boina, o deslace da alça, frouxa, nos meus cotovelos enguiçados, com os quilos de massa densa de roupa por baixo. Sem me conseguir mexer, a bebé, refastelada no seu carrinho aconchegado, sorria de lado, num esgar torcido de gozo. Duas cópias imperfeitas da bebé corriam à volta do banco, num frenesim louco, com berros, puxares de roupa e mini-maratonas infantis de Filadélfia à mistura. Os pais, disformes com os rosas e os ruivos de linhas em voo, sacudiam, arrumavam e despiam. A fila começou a avançar.

Agarrei nos pertences e meti-me em espera. O ar abafado sufocava a respiração e, por cima da tapete rolante, as caixas da plástico, desfilavam perante a plateia assustada com as possibilidade de novas tendências de pronto-a-vestir para a próxima estação. Tablets, portáteis, casacos tigresse, botas cortadas e retalhadas. De tudo um pouco se via a descoberto antes da pose, muitas vezes em mise-en-scène. Lá continuava de meias ao relento até à passagem na grande máquina. O aparelho, um detetor de metais avançado, parecia saído de um filme de sci fi realizado por James Cameron. E a minha apreensão em entrar lá dentro não passou despercebida. Depois da reprimenda, deixe-me de molenguices. Entrei e passei. Nada de metais, armas, nem lâminas se encontravam nos confins do meu vestuário casual. Desci o degrau, fugi para as minhas coisas, coloquei o cinto, calcei-me e segui para a viagem.

Porta 63. Andei às voltas pelo aeroporto, como se de um tour para dummies se tratasse. Na realidade, comparado com a Portela este espaço era gigante, com uns dez terminais, mas organizados através do alfabeto ocidental. Depois de ter encontrado o caminho certo - o oposto ao que fiz originalmente - lá apanhei um carrito e percorri os corredores como pistas de autoestrada. Estava apenas a 45 minutos da meta. Até lá... respirava fundo para não perder a calma.