abril 07, 2007

!26! (II)

"Com essa carinha e esse cabelo cajú.."
Aproximo-me, liberto um sorriso como cumprimento e sento-me ao lado do T. Apesar do seu aniversário ser apenas no dia a seguir, a ocasião reunia amigos íntimos e próximos, com a vontade, sempre normal e desejada, de lhe dar a merecida e devida atenção. Aos poucos a mesa foi-se recompondo, mais vozes enchiam a acústica da sala e a fome apertava. Caras conhecidas, outras menos, mas com características únicas.
"Ponche de maçã, faz favor..Traga dois jarros". A empregada era uma moça negra, de cabelos compridos, enfeitados com fininhas e perfeitas tranças. "Cláudia". Estava na chapa de identificação do uniforme vermelho escuro. Um vermelho que lembrava o calor, uma atmosfera quente, exótica que nos atirava para fora deste frio da tímida primavera em que vivemos. Lembrava a terra do continente africano, tal como tinha constatado no filme "Diamante de Sangue", e entendi que o nome do estabelecimento de restauração era realmente coerente. "Terra". A essência do conceito estava presente.
Fomos todos em conjunto para o buffett vegetariano que aguardava por nós, não conseguindo já controlar a ansiedade. Arroz com tofú, inúmeras saladas mistas, empadão..tudo com um ar muito apetitoso e que despertava as minhas glândulas salivares. O meu corpo, inclusivé a mão direita, - que se encontra na maioria das vezes gelada, não sei explicar porquê - estava agora em perfeita sintonia com a minha mente. Aquele sítio cheirava a vida, a gente, a pessoas, limpou-me o friozinho da ponta do nariz (sem limpar o rubor) e aqueceu todas as extremidades do meu corpo. Naquele momento a imagem que me vinha à cabeça era de uma enorme lareira, com chamas acesas que cuspiam calor, quilos de calor, "pallettes" de calor.
Segui, em amena cavaqueira, para a mesa e o meu lugar. Os "tlins" dos talhares impuseram-me num ambiente que, por si só, já era ensurdecedor, com dezenas de vozes distintas que compunham o tecto da sala. Risos, gargalhadas, sussurrares. Eram dezenas de registos, de acções diferentes que se sobrepunham à música clássica que saía, e se esfumava a posteriori, das colunas fixas nas paredes. Como se não bastasse, as pessoas comiam avidamente, riscavam os pratos com uma picada de um garfo e um deslizar arranhado de uma faca, gulosas pelo amontoado de comida no prato. Os copos roçavam os pratos, os talheres ou acidentalmente um cotovelo mais voador. E a poluição sonora, com tudo isto, não paráva de crescer.
Comi um prato muito cheio, ainda repeti e delicei-me com uma sobremesa fantástica: mousse de maracujá. E apesar da refeição ter chegado ao fim, do restaurante ficar menos povoado, o jantar não tinha acabado. Durante horas lá ficámos, em permanente comunicação. Ou com comentários sobre gémeos, touros ou carneiros; ou com discrições dos apanhados da famosa séria "Gente Gira"; ou com picanços que, como sempre, fazem parte de convívios e as delícias de cada um (embora não pareça).
Senti-me estranha. Distante. Viajava para fora daquelas quatro paredes e voltava, em muitas alturas distantes. Perdia-me nas piadas sórdidas e nos episódios pornográficos que eram contados mesmo ao meu lado. Estava presa aos meus pensamentos, mas um mimo do meu vizinho do lado fez-me voltar à minha realidade, aquela na qual me devia concentrar, a única que eu estava a viver. E a possível. Viver os passados ou os futuros, nunca nos deixam viver o presente. "Estás mesmo muito bonita, L.". Os meus olhos fixaram-no e deixei escapar um sorriso aberto e envergonhado, entre as minhas faces rosadas.
(To be.. ainda.. continued)

1 comentário:

Anónimo disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.