abril 03, 2014

Desesperadamente procurando Nova Iorque (prefácio)

Toda a gente sabe que uma mulher normal dos dias de hoje - pelo menos aquela que é considerada como tal, sempre com muitas aspas, aspas - gosta de prezar e cuidar da sua imagem. Um ritual que, nos casos mais extremos, morosos e dolorosos, pode chegar a algumas horas diárias. Eu tomei várias resoluções e defini algumas regras antes de embarcar nesta viagem a Nova Iorque. Entre elas, não cair no ridículo de carregar todos os acessórios femininos tão desnecessários ( já para não falar pesados). Contas feitas, as minhas decisões foram:

1. Não levar secadores, alisadores, escovas XXL para efeitos de remover células capilares mortas e enterradas, levantar raízes ou fixar ondas XPTO, nem qualquer aparelho eletrónico relacionado com o visual e a estética. Todo o ano somos "escravas" da beleza. São as olheiras, as rugas, as imperfeições, as borbulhas e acne pós-30, o cabelo que não está esticado, nem com o volume perfeito. As unhas que estão ao natural e, pronto, não pode ser. Não fica bem, certo? Oi? Errado. Vou de viagem para conhecer, absorver, respirar novas sensações, emoções. Não para uma competição de moda. Quando me quiser pavonear com o kit completo vou para o Chiado ou para a Avenida da Liberdade. Agora é tempo de ser o mais natural possível. Limpinha, mas sem grandes arranjos. Observar e não ser observada.
2. Não demorar mais do que cinco minutos para tratar da imagem: maquilhagem, penteados, cremes para o rosto e ramificações afins. Para quê perder tempo com mais, do que com os mínimos olímpicos, se o objetivo é passar despercebida entre a multidão? Sentir-me confortável, bem preparada para horas de caminhada e passeio, não se coaduna com quinquelharias e adereços froux froux. Se não gostarem, olhem para o lado. Melhor será, é mais tempo que passo a observar a natureza de quem passa por mim e de tudo o que acontece no momento. Menos distrações.
3. Não me levantar nunca depois das sete e meia da manhã. Se vou para a cidade que nunca dorme não posso ficar na cama ou sentada à janela de casa a ver os táxis amarelos a passar. Para conhecer o ritmo biológico da cidade, tenho de o acompanhar, desde a sua génese. E quanto mais cedo, melhor. Mais experiencio.
4. As deambulações na rua não podem ser tardias, mas não há hora de recolher obrigatória. Se me apetecer ficar na conversa com a minha anfitriã ou a escrever ou a meditar, fá-lo-ei sem me penitenciar por isso. Estou de férias e a vontade que surgir de fazer algo nos " tempos livres" será aceite.
5. Não há regras. Fora todos os motivos já mencionados e descritos, a livre exploração de um espaço, rua ou recôndito recém-descoberto será sempre uma tarefa a abraçar, ainda que não tivesse sido premeditada ou prevista. Não faz mal, o inesperado e a aventura são amigos do viajante, mas inimigos do turista. Eu considero-me um mix, pois irei aos locais mais icónicos da Big Apple, não poderei deixar de ir ao topo do Empire State Building ou ao Strawberry Fields no Central Park, mas também quero ver o resto. Tudo o que está fora dos cartazes e catálogos de agência porque não é bonito aos nossos olhos, tão ligados com a categoria perfeição. Não é bonito de se ver, logo não é comercial, nem vende. Mas faz parte da natureza do local, é também o que o caracteriza e, como tudo na vida, tem de ser levado com seriedade e respeito. Quero ver tudo. Ser uma viajante numa ordem de urgência, em busca de tudo o que conseguir ver. Insaciável, em corrida pelo autocarro que já está ao virar da esquina, apinhado com pessoas perdidas, mercadorias com cheiro a século XIX e galinhas anorécticas e semi-depenadas. Quero entrar e arquivar na minha cabeça tudo o que puder.

Posto isto, deixo-vos estas palavras com a intenção de transmitir quaisquer eventualidades no decurso desta viagem, de uma semana, entre três e dez de abril. Sete dias apenas, nada de invulgar na linha cronológica, nem de inovador na era do tempo fugaz e conectado em rede, com o Mundo inteiro. O olhar sobre as experiências no decurso do mesmo é que é subjetivo e único. Não por ser especial, nem mais rico ou completo do que outro qualquer. É apenas o meu. Que será certamente diferente de todos os olhos, cada par com as suas ligações, percepções e curto-circuitos.

Até já, Nova Iorque.